O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein foi um dos grandes nomes da filosofia no século XX. Seus escritos, publicados em duas fases – a primeira, em 1922, com a publicação do livro Tractatus Logico-Philosophicus, e a segunda, representada pela obra póstuma “Investigações Filosóficas” – tratavam sobre a filosofia da linguagem, ética e lógica e influenciam a filosofia desde então, especialmente pela proposta relacionada ao Tractus: identificar a relação existente entre a linguagem e a realidade e, a partir disso, definir os limites da ciência. É neste contexto que uma das mais famosas frases de Wittgenstein ganha sentido:
“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo” – Ludwig Wittgenstein
O próprio filósofo se tornou um crítico contumaz de sua teoria. Evidentemente, isso não a invalida completamente. De fato, o limite de nossa linguagem nos traz limitações consideráveis. Pense em um mundo onde existam cada vez menos palavras para expressar sentimentos e ações, como a novilíngua e o duplipensar de “1984”. Ou, no caso da ciência, das palavras cujo significado real é desconhecido e, intencionalmente ou não, acabam por serem deturpadas e utilizadas em contextos errôneos.
Um dos clássicos exemplos que existem a respeito de confusão de significados está nos conceitos de “lei” e de “teoria”. Em geral, as pessoas associam o conceito de “lei científica” com algo acabado, isto é, provado de forma definitiva e por isso mesmo, imutável. Por outro lado, o conceito de teoria é tratado como um sinônimo de hipótese, isto é, como uma proposição inicial que, quando se mostrar verdadeira, será promovida a lei. Veja: são três conceitos distintos que são tratados como convergentes a um mesmo fim.
Se isso fosse apenas um lapso conceitual, já teríamos algum problema para corrigir, já que conceitos de senso comum são resistentes mesmo a instrução formal e permanecem na estrutura cognitiva, isto é, o conceito incorreto nem sempre é substituído pelo conceito correto; a ideia nova é adicionada a anterior, aumentando o nível de conhecimento sobre o assunto. Mas a questão torna-se mais profunda quando esses conceitos são utilizados para enganar outras pessoas.
Há uma epidemia de mentiras relacionadas a teoria quântica. Por ser contraintuitiva e ainda engatinhar em alguns de seus campos, a teoria quântica desperta as mais absurdas interpretações, que vão desde relação entre a dualidade onda-partícula e a influência dos pensamentos positivos e a materialização destes em objetos de desejo até a possibilidade de vivenciar a sobreposição quântica neste exato momento, só com a força de seu pensamento, e assim, transformar a sua realidade para aquilo que você tanto almeja. O argumento é claro (mas errado em sua origem e interpretação): a teoria quântica já foi provada e nada muda este fato e nenhuma teoria relacionada a teoria quântica tem em suas previsões a interpretação de transformação da realidade por meio do pensamento dito positivo.
E aqui reside o erro de origem: uma teoria se mostra válida não por ser comprovada, mas por não ter se mostrado incorreta. Isto é: uma teoria se mantém aceita enquanto os argumentos e hipóteses que a sustentam não se mostrarem incorretos; a partir do momento em que eles forem refutados, a teoria pode ser descartada e uma nova surge em seu lugar e o processo recomeça.
Isso por si só já impediria uma teoria de se tornar uma lei científica. Acontece que lei e teoria são coisas completamente distintas. A teoria funciona como uma explicação para um ou mais fenômenos. Por exemplo, a teoria da relatividade geral, proposta por Albert Einstein em 1905 e profundada em 1907, trata da explicação do que é a gravidade, isto, é do fenômeno de atração entre corpos. A validade da teoria de Einstein vem sendo demonstrada desde o famoso eclipse de Sobral, em 1919 e possibilitou, inclusive, a descoberta das ondas gravitacionais, em 2016, e a primeira fotografia de um buraco negro, publicada em 2019. Mas a teoria da relatividade sempre será a teoria da relatividade; ela nunca será modificada para “lei da relatividade” ou algo do tipo só porque suas previsões são consideradas corretas. O máximo que poderá ocorrer é a demonstração de sua incorreção em algum aspecto e, neste caso, outra teoria mais completa surge em seu lugar.
Já as leis descrevem de regras de comportamentos que a natureza possui e que são obtidas a partir da observação, da experimentação ou dedução de um número considerável de vezes em que o fenômeno ocorre. A natureza não obedece às leis propostas pelos cientistas, mas sim, os cientistas buscam compreender a natureza e sintetizar este conhecimento com as leis por eles propostas.
A lei da gravitação universal proposta por Isaac Newton, descreve que a atração entre os corpos será tão maior quanto maior forem as suas massas e menor for a distância entre esses corpos. Veja: enquanto a gravidade é descrita por Newton (lei da gravitação), ela é explicada por Einstein (teoria da relatividade).
Conhecer essa distinção aumenta os limites de nosso mundo científico. E ainda nos salva das bobagens pseudocientíficas.
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