IgNobel, o prêmio da curiosidade raiz

Há uma espécie de lenda urbana no meio científico, especialmente em quem atua na área de ciências exatas (e é sempre bom recordar que essas distinção entre “exatos” e “humanos” é uma das formas de segregação mais burras que existe), que César Lattes – o cientista cujo nome batiza a plataforma de produção científica brasileira – ganharia um Nobel pela observação e descoberta do méson pi, uma das primeiras subpartículas identificadas na natureza e cuja descoberta possibilitou o avanço significativo na compreensão de nosso modelo de partículas que constituem o universo. Entretanto, o Nobel para Lattes nunca veio, embora Hideki Yukawa, um dos cientistas-chefe do grupo de pesquisa a qual Lattes estava vinculado acabou levando o prêmio em 1949 por formular a hipótese da existência do méson pi, a partícula que Lattes detectou em 1947.

O Nobel é o prêmio científico mais conhecido de nosso tempo. Ser laureado com este prêmio é garantia de ter o nome eternizado como uma das grandes mentes da humanidade em suas mais diversas áreas. A ideia aqui é reconhecer aquelas pessoas que trouxeram significativas contribuições para o avanço científico, cultural e tecnológico da humanidade, embora – como qualquer atividade criada e administrada por seres humanos, está sujeita a erros e injustiças – muitos cientistas que desenvolveram pesquisas científicas de grande impacto não tenham recebido o prêmio.

Stephen Hawking, famoso astrofísico inglês que trabalhou durante grande parte de sua vida com a dinâmica de buracos negros, nunca recebeu o prêmio Nobel. Carl Sagan, astrofísico norte-americano autor de mais de 23 livros e mais de 600 artigos científicos e que contribuiu de forma significativa com a pesquisa espacial, também nunca recebeu o Nobel.

Além destes, há também o caso de cientistas que propuseram novas teorias e realizaram descobertas que nos permitiram compreender o universo ao nosso redor, mas que não receberam nem uma citação ou lembrança por seus trabalhos. George Gamow, cientista russo radicado nos Estados Unidos, propôs uma das mais famosas teorias científicas do século XX: a teoria do Big Bang, que explicou a formação de nosso universo como tendo origem em um único ponto, menor do que a cabeça de um alfinete, que se expandiu violentamente há quase 15 bilhões de anos e originou o universo que conhecemos atualmente.

Toda a formulação teórica de sua teoria fora realizada por Gamow, Ralph Alpher e Hans Bethe em 1948, que entre outras previsões, trazia a possibilidade da radiação cósmica de fundo, um tipo de radiação que teria origem justamente na expansão original do Big Bang. Mas quem recebeu o prêmio pela descoberta dessa radiação não foi nenhum dos três cientistas que propuseram a teoria do Big Bang, e sim, dois físicos norte-americanos: Arno Penzias e Robert Wilson.

Talvez o caso mais polêmico relacionado ao prêmio Nobel de Física foi aquele corrido com a astrônoma britânica Jocelyn Bell Burnell que descobriu os primeiros pulsares, que são basicamente estrelas formadas por nêutrons, que interagem com a matéria ao seu redor e por conta disso, emitem “pulsos” de luz, como faróis de navegação. Bem, Jocelyn fez as observações dos pulsares, mas quem levou o prêmio foi Antony Hewish, orientador de Jocelyn, em 1974.

Questões éticas a parte, o prêmio Nobel é um imenso reconhecimento social (e econômico, claro) para pesquisas que trazem avanços significativos em seus campos.

A medalha concedida para os vencedores do Prêmio Nobel

Mas e quando uma pesquisa científica provoca a estranheza e depois a reflexão? Ou aquelas pesquisas científicas que são absolutamente sérias, mas que provocam algum riso por conta de sua posição estranha?

O reconhecimento a este tipo de pesquisa é uma questão controversa. Afinal, nem todo mundo acha legal receber um prêmio que é considerado uma sátira ao Nobel. Mas o Ig Nobel – algo como “Ignóbil-Nobel”, ou “Nobel Desprezível” – já está em sua 29ª edição promovida pelo Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável) e tem trazido prêmios para pesquisas como:

  • James Danforth Quayle (na época, vice-presidente dos EUA), tido como de “baixo QI”, com declarações confusas, demonstrando assim, mais do que ninguém, a necessidade de educação científica, levou o prêmio em 1991 na categoria educação.
  • Yuri Struchkov, IgNobel em literatura (!) por sua capacidade incontrolável autoria de artigos científicos do Instituto de Componentes Organoelementares, em Moscou, pelos 948 artigos que publicou entre 1981 e 1990, uma média de um a cada 3,9 dias.
  • O Ig Nobel da paz de 1993 foi para a Pepsi-Cola das Filipinas, fornecedores de sonhos e esperanças açucaradas, por patrocinarem um concurso para criar um milionário, e depois anunciarem o número vencedor errado, conseguindo assim incitar e unir 800.000 possíveis vencedores, e unindo facções inimigas pela primeira vez na história da sua nação.
  • Já o prêmio Ig Nobel da paz em 1996 foi para o presidente francês Jacques Chirac, presidente da França, por comemorar o quinquagésimo aniversário do bombardeamento de Hiroshima com testes nucleares no Pacífico.
  • Em 2008, o Brasil levou o Ig Nobel de arqueologia: Astolfo Gomes de Mello Araújo e José Carlos Marcelino, por demonstrarem que os tatus podem misturar os vestígios em um sítio arqueológico.
  • Lianne Parkin, Sheila Williams, e Patricia Priest da Universidade de Otago, receberam o Ig Nobel de Física em 2010 pela demonstração de que os caminhos pedestres com gelo, no inverno, apresentam menor taxa de quedas e escorregamentos para quem use meias por cima dos sapatos.
  • Em 2016, Evelyne Debey, Maarten De Schryver, Gordon Logan, Kristina Suchotzki e Bruno Verschuere, receberam o Ig Nobel em 2016 por “perguntar a mil mentirosos com que frequência eles mentem, e qual a probabilidade de que eles tenham sido sinceros nas respostas”.

E por que o Ig Nobel deve ser levado à sério? Porque é o tipo de evento de divulgação da ciência que atrai as pessoas de fora do ambiente acadêmico para, ao menos, conhecerem um pouco do que é pesquisado cientificamente. É uma maneira de aproximar a ciência da população, chamando a atenção para a necessidade do financiamento de pesquisas científicas e para o fato de que cientistas são pessoas como eu e você e que portanto, são suscetíveis a fracassos, trabalhos estranhos e curiosidades relativamente estranhas.

A divulgação do Ig Nobel de 2019 ocorre hoje, 12 de setembro, a partir das 18h, no horário de Brasília, no canal oficial do Improbable Research e a lista completa das pesquisas contempladas pelo prêmio pode ser conferida aqui.

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