Uma das conferências mais famosas do século XX foi ministrada pelo físico e romancista inglês Charles Percy Snow em 1959. As Duas Culturas, como foi nomeada, discute como a concepção separatista entre ciências humanas e de ciências exatas é nociva não apenas para o desenvolvimento da ciência – já que distancia pesquisadores e pesquisas que poderiam ter ganhos imensos com a colaboração entre disciplinas de ciências exatas (física, química, matemática, etc.) e ciências humanas (como história, geografia, filosofia, etc.).
Ainda que muitos critiquem o posicionamento de Snow, rebatendo suas alegações argumentando, entre outras coisas, que a diferença de métodos e de objetivos que caracterizam as áreas do conhecimento é tão grande que não há como integrá-las sob o contexto de pesquisa científica, ou seja, as diferenças entre os métodos de pesquisa e aquilo que objetivam compreender fariam das ciências exatas e das ciências humanas água e óleo em um copo, a análise do desenvolvimento de muitas áreas da ciência se deveu justamente a integração entre as áreas exatas e humanas.
Um exemplo é a pesquisa em didática das ciências, que procura compreender o aprendizado de ciências e desenvolver métodos que potencializem este aprendizado. Pense na multidisciplinaridade (ufa!) desta área: é necessário conhecer, além dos elementos conceituais das disciplinas de ciências exatas, as condições para que alguém retenha os conhecimentos aplicados e como verificar a profundidade dessa absorção de conhecimentos. Uma das formas de se fazer essa verificação é utilizando os conhecimentos sobre linguística e de lógica não-formal para analisar o conteúdo das falas ou das respostas elaboradas pelos alunos para identificar a presença e a profundidade de elementos conceituais que já estavam presentes ou foram desenvolvidos, por exemplo, após a aplicação de um ou mais métodos de ensino ou de aprendizagem.

Analisar o conteúdo de falas dos alunos é uma boa opção para se descobrir como alunos conceituam e aplicam o seu entendimento a respeito de diversos conceitos para explicar um ou mais fenômenos ou simplesmente explicar situações do cotidiano em que este conhecimento está aplicado. Isso porque é possível que alunos deem explicações diferentes para o mesmo fenômeno a depender do contexto em que ele seja inserido. E isso nos mostra o quão interessante é a questão da linguagem e de seus significados dentro da própria construção conceitual do conhecimento científico.
Catástrofe, peso e calor
Muitas áreas do conhecimento emprestam termos de outra área para empregá-las em seus conhecimentos. Um exemplo clássico é o conceito de resiliência. Inicialmente caracterizando a propriedade que diversos materiais tem de retornar a sua forma original mesmo após serem submetidos a uma série de deformações – tal qual o viscoelástico que compõe os famigerados travesseiros de astronauta -, o termo também é aplicado na psicologia, só que para designar pessoas que são capazes de se adaptar as condições adversas que a vida oferece.
Mas em outras situações, os termos empregados para nomear determinado fenômeno diferem daqueles empregados em nosso cotidiano. Aquilo que comumente as pessoas usam para designar uma coisa possui um significado totalmente diferente no contexto científico e isso pode ser um problema quando levamos em conta que concepções de senso comum são resistentes à instrução formal. Por isso é difícil, por exemplo, que pessoas digam: “medir a massa”. A ideia de que peso e massa são sinônimos já é enraizada há tempos no linguajar de nossa cultura. E provavelmente você falará peso no mesmo sentido e significado de massa, ainda que esteja numa pós-graduação qualquer.
De fato, peso não é sinônimo de massa. Enquanto o segundo mede a quantidade de inércia de um corpo, o primeiro mede a intensidade da força de atração que o planeta exerce sobre nós. Neste caso, o peso de um corpo depende da massa que ele possui e da aceleração da gravidade de onde ele se encontra. Quanto maior for a aceleração da gravidade em um local ou quanto maior for a massa de um corpo, maior será a força exercida sobre ele. Na superfície da Terra, a aceleração gravitacional tem a intensidade de aproximadamente 9,8 m/s². Em Marte, algo em torno de 4 m/s². Na Lua, perto de 1,8 m/s².
Quando uma situação afeta um grande número de pessoas, a imprensa – sobretudo, a sensacionalista – afirma que houve uma catástrofe sem precedentes. Enquanto em nosso cotidiano, a catástrofe assume o sinônimo de tragédia, no contexto científico, ela designa a emissão infinita de energia (e até caracteriza a situação que levou Max Planck a desenvolver as ideias iniciais da física moderna).
Da mesma forma, o calor assume o caráter de sinônimo de aumento de temperatura, ainda que a sua definição científica nos diga que o calor é a energia que flui de um corpo para outro devido a diferença de temperatura entre eles – e sempre sempre flui de quem tem maior temperatura para quem possui menor temperatura.
Assim, pensando em apresentar a diferença de significados apresentados pela ciência para termos com outros significados no cotidiano, o Fermilab listou algumas palavras empregadas por físicos com significados diferentes daqueles usualmente empregados:
Canibalismo

O canibalismo, em termos astrofísicos, é empregado para estabelecer a forma como galáxias ou estrelas é alterada quando a galáxia ou estrela está um ambiente repleto de galáxias – os chamados aglomerados.
Refrigerador

O refrigerador ou cooler é jargão aplicado ao resfriamento do feixe de elétrons em um acelerador de partículas cujo objetivo é o de facilitar o direcionamento das partículas para que viagem no mesmo sentido, isto é, evitar – ou pelo menos minimizar – o desvio de trajetória dos elétrons a medida em que eles se deslocarem pelo tubo do acelerador de partículas.
Dopping

O dopping, neste caso, é uma coisa positiva: trata-se da inserção de elementos ou de substâncias em um metal com o objetivo de aumentar suas propriedades condutoras de eletricidade.
Extinção

Quenchr é a designação para a interrupção das propriedades de supercondução em um material provocada pelo aumento de temperatura.
Decaimento

O decaimento é a forma como uma partícula pode ser transformar em outra a medida em que o tempo passa. Esse tempo é conhecido como “meia-vida” e para alguns elementos radioativos, essa meia vida pode ser de centenas ou até de milhares de anos.
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
[…] O próprio filósofo se tornou um crítico contumaz de sua teoria. Evidentemente, isso não a invalida completamente. De fato, o limite de nossa linguagem nos traz limitações consideráveis. Pense em um mundo onde existam cada vez menos palavras para expressar sentimentos e ações, como a novilíngua e o duplipensar de “1984”. Ou, no caso da ciência, das palavras cujo significado real é desconhecido e, intencionalmente ou não, acabam por serem det… […]