A revolução não será televisionada. E não estou falando do documentário sobre o fracassado golpe de estado na Venezuela. Falo sobre uma revolução muito mais silenciosa, onipresente e duradoura. Uma revolução social, política, científica e cultural sem precedentes. E toda revolução, pelo menos quando está em curso, desorienta, desorganiza, destrói, redefine muitos conceitos e tratados sociais outrora considerados imutáveis.
Revolução porque muitos paradigmas, dogmas, concepções, filosofias estão em constante mudança, procurando talvez, um fim em si mesmo. A revolução francesa mudou, entre muitas coisas, a forma como organizamos nosso Estado; a revolução industrial mudou nossa forma de produzir e de trabalhar; a revolução feminina pôs (ou caminha isso) as mulheres com os mesmos direitos que os homens, da mesma forma que a revolução tecnológica mudou a forma como vivemos nossas vidas. Isso sem se citar as revoluções filosóficas e sociais que constantemente passam por nossa sociedade.
E em meio a essa revolução, alguém determinou que a maior revolução é a felicidade. É ser feliz, é ter o que sempre se desejou, é ser aquilo que sempre se quis ser. Em meio a essa luta brancaleônica pela felicidade, nós nos tornamos cada vez mais individualistas, instantâneos, sedentos pelo status e por bens materiais, simplesmente porque precisamos ser felizes o tempo todo, não importa a que custo.
Aí surgem filosofias que garantem a felicidade a qualquer custo. E se temos uma sociedade em plena busca por ser feliz — sem que entenda a conclusão do que é ser feliz ou o que é a felicidade — por mais irônico que isso pareça, temos uma sociedade com fácil e acesso (quase) ilimitado a informação. Portanto, não é fácil convencer essa sociedade de que o seu modo de ver o mundo é o que lhe fará mais ou menos feliz. Portanto, é quase imperativo que essas filosofias da felicidade sejam (I) simples de serem resumidas (II) difíceis de serem explicadas, mas que de certa forma justificam a premissa (I), (III) relacionem algo que é verdadeiro ou relacionem alguma teoria científica para comprovar o que as premissas (I) e (II) defendem e (IV) não tenham qualquer comprovação científica.
A mais conhecida de nossos tempos é a difundida filosofia (ou teoria) de O Segredo. “The Secret” (ou “O Segredo: Lei da Atração” no título em língua portuguesa) é um livro escrito pela produtora de TV australiana Rhonda Byrne. Rapidamente foi lançado à fama após aparecer algumas vezes nos programas de Oprah Winfrey, em meados de 2007; logo vendeu seu primeiro milhão de cópias. E continua a fazer cada vez mais adeptos, potencialmente entre os mais jovens.
Entre outras coisas, o livro defende uma filosofia que, basicamente, diz que tudo aquilo que você deseja você pode conquistar. Basta querer. Isso mesmo: tudo, absolutamente tudo o que você quer virá até você com o simples ato de desejar com força (premissa I). E a justificativa para essa teoria está baseada na Física Quântica (premissa II), associando equivocadamente (?) a dualidade onda-partícula, experimento da dupla fenda de Young e ondas cerebrais e materialização de desejos (premissa III). Tudo isso sem que qualquer comprovação científica de que a materialidade de desejos seja possível.
Longe de querer discutir conceitos e outras formalidades filosóficas, mas é necessário colocar as coisas em seus devidos lugares. As leis da Física explicam determinado fenômeno, embora muitos deles possam ser explicados apenas em sua natureza quantitativa; ou seja, conhecemos suas características, mas não sabemos a razão dessas características. Isso vale para conceitos da chamada “Física Clássica” e, principalmente, para os mais variados conceitos da “Física Moderna”, que muitos chamam simplesmente de “Física Quântica”, como se as duas físicas fossem algo único — e não são!
A Física Quântica surgiu como ramo da Física no começo do século XX, embora muitos conceitos — natureza da luz, o conceito de átomo e de matéria, por exemplo — tenham surgido já na Grécia Antiga e refinados logo após a Idade Média. A partir disso, muitas teorias foram formuladas para explicar comportamentos de partículas subatômicas, visto que o comportamento delas é muito diferente do que é previsto na Física Clássica. Um exemplo é o comportamento da luz, que pode ser uma partícula (tal qual bolinhas de gude) ou uma onda (como as ondas eletromagnéticas que são emitidas pelo seu roteador Wi-Fi), dependendo de inúmeros fatores, nem todos conhecidos pela ciência.
E é num comportamento quântico que pouco foi explicado pela ciência que a filosofia do tal O Segredo se baseia. Se você pensa em algo, seu pensamento (tida como uma onda eletromagnética) pode ser transformado (quase que por mágica, oh!) em uma partícula. E se somos formados por partículas, logo podemos materializar qualquer desejo, da cura de um câncer ao sucesso profissional. E isso inclui, também, aquele carro de luxo ou aquela mansão cheia de requinte que você quer, mas nem sabe se precisa.
Muitos adeptos garantem que “O Segredo” é ciência pura aplicada à vida humana, quase propondo que a lei de Lavoisier, ou as leis de Newton ou as descobertas de Mendel não tivessem relação direta com nossa vida. E defendem a validade e a veracidade de suas filosofias, tal qual os mais antigos defendiam que a Terra era o centro do Universo ou que o urânio era um ótimo creme para a pele ou mágicos entortavam talheres apenas com “a força da mente” (seriam eles os precursores de O Segredo?). E se utilizam justamente de concepções errôneas a respeito de teorias científicas que ainda não foram completamente exploradas pelo homem para confiar o status de verdade algo puramente místico.
(O Segredo fala em materialização de pensamentos, mas não fala, por exemplo, sobre a hipótese de alguém pensar positivamente sobre determinada coisa, e por consequência atrair resultados negativos sobre aquilo que está pensando, tal qual as características das cargas/partículas eletrizadas).
A desenfreada busca pela felicidade humana em nossos tempos tem gerado monstros escavadores que botam uns em buracos profundos, enquanto outros são almejados ao topo de montanhas de areia. O Segredo é uma delas. Se uma pessoa está doente, está assim porque quer. Se uma pessoa não consegue conquistar aquilo que deseja, é por sua pura e simples culpa. Lineariza-se o comportamento humano, as dores e angústias como se elas fossem resultado direto da ausência de… Fé.
Assim, com pessoas ansiando cada vez mais uma liberdade insondável, especialmente os mais jovens, fazer acreditar que você é responsável por seu sucesso apenas por pensar nele, num mínimo esforço quase inacreditável, chega até ser compreensível. Mas é papel da ciência desmistificar esoterismos que utilizam seus conceitos para justificar ações injustificáveis.
Não é de se admirar porque esse tipo de filosofia encontra cada vez mais adeptos. Vivemos em um mundo cada vez mais sufocante, onde se gastam milhares de dinheiros com bolsas, roupas, joias, enquanto deixamos outros tantos passando fome por aí; ano após anos batemos recordes de vendas de antidepressivos, tudo porque a sociedade decidiu que você, eu, todo nós temos que ser felizes.
Nós precisamos mesmo é de humanos. Humanos que reajam como humanos, com suas alegrias, tristezas, dores e conquistas. Mas seria muita pretensão dizer que este é o segredo, embora saiba que a felicidade é uma leve consequência disso tudo.
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
[…] em alguns de seus campos, a teoria quântica desperta as mais absurdas interpretações, que vão desde relação entre a dualidade onda-partícula e a influência dos pensamentos positivos e a… até a possibilidade de vivenciar a sobreposição quântica neste exato momento, só com a força […]