CCULT LIVROS #5 — Almanaque

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Eu sou daqueles que frequentam livrarias só para me sentir em casa. Eu me sinto encantado quando me deparo com um monte de livros: o potencial de conhecimento, de histórias, de vivências descritas ali é infinito. Cada capa, título, fonte demonstra uma forma diferente de ver o mundo — e de se apresentar para ele.

Foi uma de minhas andanças em livrarias que tive contato com o livro “Almanaque: histórias de ciência e poesia” escrito por Juan Nepote (Editora Unicamp, 391 páginas). Entre o primeiro encontro e a oportunidade de ler o livro passaram-se semanas, preenchidas entre trabalho, deslocamentos, angústias e uma pergunta: como será que o autor fez a ponte entre ciência e poesia? Tive que esperar até que um cupom de desconto surgisse para finalmente começar a compreender a resposta.

E devo dizer, de antemão, que Almanaque é um livro de divulgação científica que deveria ser discutido por muito mais gente. Se meu encontro com o livro foi ao acaso, este não deveria ser uma regra. Autores latino-americanos em ciência são invariavelmente menos reconhecidos em comparação com autores de outros lugares do planeta. Não que autores de outras regiões não tenham qualidades e importância dentro do cenário de textos de (e sobre) ciência. Mas nós temos totais condições de apresentar materiais com nossa vivência, nossa linguagem e nossa história com tanta ou maior competência que escritores de países desenvolvidos.

E por que Almanaque deveria ser discutido à exaustão? Porque consegue a façanha de mostrar o empreendimento científico como um empreendimento humano, carregado de suas paixões, medos, realizações e fracassos. A poesia, que como destaca o autor, também é uma forma de explicar o mundo, liga-se diretamente com os textos dos doze capítulos do livro em momentos chave. Todas as poesias apresentadas ao longo do livro são de autores latino-americanos que, de uma forma ou de outra, associam seus versos a conceitos, ideias, percepções e pensamentos acerca de fenômenos tratados no decorrer dos textos.

Não bastasse ter sucesso em apresentar a ciência como cultura humana que é, Nepote trouxe um texto que consegue trazer muitas informações e conexões sem que o ritmo de leitura seja quebrado. Entretanto, inserir os poemas em sua língua original (o espanhol) e a tradução em nota de rodapé, apesar de compreensível, seria mais útil ao texto se fosse disposta de maneira oposta (a tradução no corpo do texto e o original em nota de rodapé). Aliás, o livro ficaria ainda melhor se tivesse sido impresso em papel pólen ao invés do offset branco.

O livro é dividido em doze capítulos, cada um referente a um mês do ano. Em cada capítulo, são dispostos quatro textos relacionados com fatos ou pessoas conectadas ao capítulo em questão. E nisso, há uma grande sacada do autor: além de reunir poesia e ciência, Nepote conseguiu apresentar cientistas e contextos de seus trabalhos relacionados ao mês do capítulo. Por isso, temos em janeiro — o primeiro capítulo da obra —a referência a Isaac Newton (nascido em janeiro de 1643), ao próprio calendário como o conhecemos, a Charles L. Dodgson (matemático e mundialmente conhecido por Lewis Carrol, autor de “Alice no País das Maravilhas”) e a Mendeleiev, pai da tabela periódica. Em julho, mês de nascimento de Santos Dumont, o contexto de sua vida, obras e importância para a aviação. Em novembro, piões e a matemática mexicana Juana de Asbaje, que estudou a dinâmica do brinquedo infantil e produziu explicações para o seu movimento que mais tarde puderam ser utilizadas em outros campos da ciência e da tecnologia.

Ao longo do livro, Nepote discute autores (tanto poetas quanto cientistas) nascidos em nossa região. Conhecer essas histórias nos faz pensar a respeito do que nosso subcontinente já produziu — e ainda produz —nesses dois campos da vida humana. Essa é outra característica que faz de “Almanaque” um livro tão interessante (e que, repito, deveria ter mais espaço na divulgação científica e em outros usos, como no ensino de ciências).

Almanaque é uma leitura que vai além do que o seu nome sugere: não há verbetes curtos sobre vários temas e sim, associações entre pessoas, descobertas, sentimentos e contextos. É um livro para saborear o conhecimento como quem saboreia o seu prato favorito, descobrindo um novo sabor que antes parecia sequer existir.

O livro “Almanaque: histórias de ciências e poesia” pode ser adquirido em formato físico no site da Editora Unicamp e nos principais marketplaces do país.

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