Grandes periódicos e o acesso aberto cheio de asteriscos

O modelo de publicação e de financiamento da ciência, de certa forma, retroalimenta a prática de pagar para publicar e pagar para ler (e, em alguns casos, pagar para corrigir). Funciona mais ou menos da seguinte forma: se você deseja publicar um estudo científico sério [1], precisa procurar um periódico científico relacionado com o tema de seu estudo. Em geral, periódicos muito conceituados, isto é, aqueles que são lidos e citados por muitos cientistas, cobram para que você envie o seu estudo para que ele seja publicado. Depois, quando tudo está devidamente aprovado, esse mesmo artigo que já foi devidamente pago para ser publicado está sujeito a uma nova cobrança — agora, para que o leitor tenha acesso a ele. A justificativa das editoras? Redução de custos, aumento dos lucros, qualidade da publicação.

Claro que muita gente acha essa dupla cobrança um absurdo [2]. Além das discussões éticas a respeito da cobrança em si — estudos científicos, em geral, são financiados com dinheiro público — e as disparidades econômicas que a cobrança invariavelmente gera — preços em dólar ou altos o suficiente para que poucos possam pagar para submeter ou acessar o texto —, o modelo de cobrança é benéfico para poucos.

Talvez a melhor definição do quanto esse modelo econômico é bom apenas para as editoras está neste artigo de Richard Van Noorden [3], publicado em 2013 na… Science. Noorden aponta que periódicos que cobram caro o fazem por oferecer um produto premium tal qual a Apple com o seu iPhone (a metáfora é minha):

Michael Eisen [Eisen é biólogo molecular da Universidade da Califórnia] não se conteve quando convidado a desabafar. “Ainda é ridículo quanto custa publicar pesquisas – muito menos o que pagamos”, declara. A maior farsa, diz ele, é que a comunidade científica realiza a revisão por pares – uma parte importante da publicação acadêmica – gratuitamente, mas os editores de periódicos por assinatura cobram bilhões de dólares por ano, ao todo, para que os cientistas leiam o produto final. “É uma transação ridícula”, diz ele”. NOORDEN, 2013

Por isso, o acesso aberto na ciência é uma tendência tão importante: ela permite que os ganhos do acesso à ciência sejam compartilhados por muito mais pessoas do que se este acesso fosse pago. Publicar trabalhos em acesso aberto (ou open acess, OA), que já era uma prática entre os pesquisadores latino-americanos, ganhou um empurrão político com a determinação do acesso aberto em pesquisas financiadas com dinheiro público na União Europeia.

Periódicos tradicionais tentaram se adequar ao “novo ambiente de negócios” oferecendo também a possibilidade de acesso aberto em suas publicações. Mas, neste caso, periódicos como a Nature e a Science (que estão aqui como exemplos para outros periódicos que tem o mesmo tipo de prática) apresentam o primeiro asterisco de seu acesso aberto: cobram integralmente os valores de publicação e leitura dos autores. O preço? Pouco mais de quatro mil dólares, que podem ser acrescidos de outras taxas de publicação. Alternativamente, um pesquisador poderia escolher publicar o seu trabalho em um periódico do mesmo grupo editorial que ofereça o acesso aberto. Contudo, alguns custos ainda estarão por lá — e o prestígio destes periódicos, claro, não é o mesmo dos principais periódicos científicos dos conglomerados editoriais. Mais um asterisco para a lista.

Países em desenvolvimento costumam ter a paridade de sua moeda em relação ao dólar bem desequilibrada a favor da moeda norte-americana. A solução dada pela Nature para diminuir as reclamações relacionadas com o desequilíbrio social e econômico que a prática possui? Financiar, via Banco Mundial, o pagamento da submissão para acesso aberto para autores de 70 países considerados pela instituição financeiras como “países de baixa renda”. É um passo importante? É claro que sim. Mas soa muito mais como um passinho tímido, quase dado para movimentar a ponta dos pés do que para se deslocar efetivamente para uma posição diferente daquela atualmente exerce.

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[1] O sério aqui faz todo sentido. Afinal, pode ser que alguém deseje publicar um estudo picareta apenas para, sei lá, manipular a opinião pública com um fato que não corresponda à realidade.
[2] Como você pode ser neste texto a respeito dos estudos com raios cósmicos no Túnel 9 de Julho em São Paulo, os artigos científicos que os descrevem estão em acesso fechado até hoje. Esses estudos foram publicados na década de 1930!
[3] NOORDEN, Richard Van. Open access: The true cost of science publishing. Nature 495, 426–429. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1038/495426a

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