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Do Micrographia ao Sci.Tober

Robert Hooke possivelmente seja tão reconhecido por sua disputa pessoal com Isaac Newton quanto é reconhecido por seus feitos científicos. Em uma época em que a separação entre áreas específicas do conhecimento não era uma prática [1], Hooke atuou nos campos possíveis da então chamada filosofia natural: determinou a relação entre a força aplicada a corpos deformáveis e a sua elongação cuja lei recebeu seu nome e atuou na construção de instrumentos ópticos para enxergar o mais profundo possível, como os gigantes ainda não tinham feito [2].

Desenvolver o microscópio foi um passo fundamental para conhecer aquilo que estava dentro do que enxergamos. Graças ao trabalho de Robert Hooke, que conseguiu ver detalhes em animais e em vegetais nem um pouco fáceis de se perceber, e criando um marco para mudanças culturais profundas a respeito do que somos e do mundo ao nosso redor, hoje temos o termo célula incorporado ao conhecimento científico e as primeiras (belíssimas) ilustrações ricas em detalhes de insetos, folhas, microrganismos e até das hemácias do sangue humano.

Afinal, o microscópio possibilitou resolver um dos grandes entraves tecnológicos enfrentados por Hooke e outros pesquisadores: o registro de suas observações em Biologia. Se hoje conseguimos fotografar em alta definição e até criar ilustrações utilizando a inteligência artificial, ainda temos problemas para descrever, apenas textualmente, detalhes de estruturas, mecanismos ou anatomia relacionados ao contexto de uma pesquisa.

Transmitir esses detalhes dependia, essencialmente, da capacidade descritiva do pesquisador ou da criatividade e habilidade em desenho do artista que acompanhava os cientistas em expedições ou em estudos específicos. A arte da ilustração científica, além de reaproximar a arte e a ciência, mostrou-se fundamental para que o conhecimento sobre diversos aspectos da natureza pudesse ser conhecido e repassado a outras pessoas. Por isso o trabalho de Galileu e o de Johannes Havelius tem a sua importância artística, cultural e científica: apresentar os detalhes de corpos celestes não é uma tarefa simples, sobretudo pelo movimento aparente e distância dos objetos.

Mais do que um drible nas restrições tecnológicas, as ilustrações científicas são uma forma de representar o mundo que tentamos entender. Isso não é válido apenas para campos de conhecimento como Biologia, Física, Química ou Paleontologia: as ilustrações científicas também representam a curiosidade que é inata ao ser humano em explicar a sua existência. Assim, detalhes de órgãos, como pulmões e coração, foram desenhados como parte da descrição da anatomia humana. Você pode conferir mais detalhes dessas ilustrações no livro “Science Illustration. A History of Visual Knowledge from the 15th Century to Today“.

As principais expedições científicas que atuaram no mundo, como aquelas conduzidas por Alexander von Humboldt ou as organizadas por cientistas brasileiros e os catorze camelos tinham seus ilustradores para reproduzir em traços artísticos em nanquim ou aquarela o que viam na vida real. O desafio era manter-se fiel ao que era observado, mesmo que aquilo que fosse observado não ficasse imóvel tempo suficiente para servir como manequim nem pudesse repetir os movimentos. Um desafio e tanto, né?

Ilustração científica produzida por Johann Baptist Ritter von Spix durante expedição amazônica no século XIX. | F. C. Gonçalves

E ainda que tenhamos tecnologias que permitem fotografar muitos detalhes em animais e em vegetais, as ilustrações científicas não caíram em desuso. Pelo contrário: ganharam ainda mais espaço para ilustrar aparatos experimentais, modelos e constituição de componentes tecnológicos, além do uso na descrição de detalhes que as câmeras ou o olho humano não são muito bons em perceber. Núcleos especializados em ilustração científica, como o NicBIO da Universidade de Brasília ou nicIB da Universidade de São Paulo, produzem materiais que servem tanto à divulgação científica quanto à pesquisa acadêmica em si.

Como parte do movimento InkTober, em que artistas do mundo todo produzem imagens em diversas técnicas de pintura, levando em conta sugestões temáticas diárias, o SciTober traz uma variedade de ilustrações científicas com os mais variados temas de ciência. A proposição de temas em língua portuguesa e as ilustrações criadas podem ser conferidas no perfil no Instagram do projeto (@sci.tober) e pela hashtag #scitober2022.

Temas do scitober 2022 | Reprodução @sci.tober

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F. C. Gonçalves

Flávio “F. C.” Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.

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