Foi dentro de um ônibus, já na etapa final do mestrado que cursei no PPGPE EEL USP, que o ccult.org nasceu. Ou, pelo menos, a sua ideia central foi concebida: eu havia finalizado a análise dos dados que mais tarde publicaria na dissertação e a constatação me soou urgente: era necessário apresentar e discutir a ciência enquanto prática e como fruto de discussões entre pares — e não somente como um compêndio de expressões matemáticas e de raciocínios distantes da vida cotidiana como muitas vezes o ensino de ciências faz, por diversos motivos, parecer a real vivência que existe dentro da ciência.
Eu já havia participado de projetos solo de divulgação científica antes: escrevera sobre Física nos anos finais da graduação e escrevia esporadicamente em um perfil no Medium. Aliás, quando o ccult.org foi pensado, seria a ideia inicial era hospedá-lo por lá. No entanto, o programa de domínios na rede social estava suspenso e não restou alternativa que fosse criar quase tudo do zero em um domínio próprio. Se os anos e as iniciativas anteriores haviam me ensinado — mais ou menos na tentativa e erro — a utilizar o WordPress e a configurar domínios e hospedagens, muitas outras coisas ainda precisavam ser formatadas, criadas, organizadas. Não é tão simples quanto parece criar um projeto de divulgação científica que tente levar a ciência, os conteúdos e o público à sério: o sensacionalismo (ou “efeito Datena” para os íntimos) é uma praga atraente, sobretudo em uma época em que curtidas rendem mais do que o conteúdo em si. Procurar fontes confiáveis, ler artigos científicos e textos originais, revisar e repensar os próprios conhecimentos é uma prática constante e que nem sempre sobrevive ao implacável algoritmo de redes sociais, o que torna a questão ética da produção de divulgação científica uma vivência que pode ser insuportável para muitos divulgadores científicos.
Depois disso tudo, ainda há a questão da rotina de produção de conteúdo, da definição de público para quem os materiais produzidos serão destinados, das incertezas que nascem antes, durante e depois de um texto ser publicado. E tudo isso sendo encaixado nas rotinas que a vida pessoal e a vida profissional exigem diariamente.
Daí que ao refletir sobre os últimos cinco anos de minha vida, não pude deixar de pensar no ccult.org como um dos grandes desafios pessoais de minha vida até aqui. E como o projeto foi um oásis em tempos de muito trabalho, solidão, mudanças profundas em minha vida pessoal. De aprendizados profundos sobre a vida. Sobre o inesperado que torna viver uma experiência única e que ganha um significado muito especial quando podemos compartilhar nossas paixões com outras pessoas.
Ao longo dos cinco anos de vida do ccult.org, fui a lugares inimagináveis a qualquer um de meus devaneios: participei de podcasts, ministrei palestras, fui para o I EBDC e para o RedPOP 2023, publiquei livros e participo da RedLCC desde 2021. Meus textos fizeram parte de formações docentes em diversas universidades do Brasil. Pude trocar experiências e conhecer pessoas incríveis. Traduzi o Calendário Científico Escolar para a língua portuguesa. Pude falar das coisas que me encantam como uma criança que descobre as pequenas obviedades do mundo e precisa compartilhar os seus achados com outras pessoas. Sobretudo, pude aprender mais do que ensinei.
Nunca liguei para números da audiência do ccult.org. Mas eles existem. No total, mais de 70 mil visualizações, com uma média de 1,89 páginas por visitante. São números absolutamente modestos e nem poderia ser diferente: o ccult.org foi pensado para ser um espaço de leitura, de textos, de compartilhamento de informações sobre a cultura científica, educação e sociedade — temas que, em minha modesta visão, são indissociáveis entre si. Em termos de números de redes sociais, os perfis do ccult.org têm pouco mais de mil e cem seguidores. Honestamente, eu não esperava outro resultado: redes sociais demandam tempo e energia que uma vida como professor, escritor e estudante nem sempre permitem dedicar a criar postagens, legendas, hashtags, engajamentos. Este é um gargalo que sei que precisarei resolver a curto prazo, principalmente para que o projeto cresça como eu espero que aconteça.
Nestes cinco anos, produzi textos que me emocionaram (como este sobre a ressonância magnética e o amor humano e este sobre a pesquisa a respeito da morte-súbita infantil), que me divertiram (como este sobre o apocalipse e este sobre a ciência ilustrada no estilo xkcd), que me deram esperança de uma ciência mais acessível e democrática (e como quase sempre, com o envolvimento do Sci-Hub) e outros que foram escritos sob lágrimas e revolta, como este sobre o ensino de ciências durante o nazismo e este sobre a atuação da ditadura brasileira sobre os cientistas e instituições de pesquisa. Foram textos que levaram tempo para serem desenvolvidos e que, como todos os outros publicados por aqui, carregam um pouco de minha visão de mundo e de meu estado de espírito quando foram produzidos. Por isso, acho que não é difícil notar algumas evoluções e escorregões em meus textos.
De muitas formas, o ccult.org foi a minha voz sobre aquilo que via do mundo. Foi a concretude da ideia do “quando não sei o que dizer, eu escrevo” que tantas vezes propaguei por aí com conhecidos e desconhecidos. Não foi nada fácil chegar até aqui. Desde o já comentado tempo para dedicar-se ao projeto até os contratempos que ele possui — o pior deles foi o problema com a hospedagem no fim de 2023 que fez com que todo o conteúdo do ccult.org tivesse que ser repostado manualmente — foram inúmeras situações em que divulgar ciência pareceu inútil, desnecessário, um desperdício. Aí é bom lembrar-se dos encantamentos, das descobertas pequenas e grandes, das coisas que despertam um sorriso — dos céus estrelados que a vida nos oferece até as discussões filosóficas sobre a natureza do conhecimento científico. Nisso reside, afinal, a razão para continuar por anos e anos: distribuir os seus encantamentos sobre o mundo.
Sou fundamentalmente grato a cada pessoa que leu, compartilhou, criticou e apoiou o ccult.org em cada etapa de sua existência. Todos, sem exceção, têm um espaço especial em meu coração, embora eu pense que nunca poderei expressar corretamente as dimensões de minha gratidão por vocês. O caminho fundamentalmente foi solitário e construído em meio à minha própria reconstrução de vida — essa eterna rehab em que tento ser melhor do que fui. Mas mesmo diante da solidão, encontrei luz e por si só, isso já valeria todo o percurso.
Que venham mais anos, décadas, séculos de encantamentos que permitem a sobrevivência do ccult.org. Que venham mais leitores para a Cesta Científica e, quem sabe, apoiadores para o projeto no Apoia.se ou no Ko-fi. E, principalmente, que não falte um chão sob os nossos pés que nem um céu sobre nossas cabeças.
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O ccult.org é um projeto de divulgação científica independente sobre temas de cultura científica e ensino de ciências da natureza criado e mantido por F. C. Gonçalves desde fevereiro de 2019. Conheça o projeto.
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