Quando o físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen produziu acidentalmente um novo tipo de radiação capaz de penetrar tecidos moles e revelar o interior do corpo humano como nunca fora possível na história da ciência, não tinha ideia da revolução que a sua descoberta teria para o futuro da humanidade. Graças aos raios-X – que recebeu esse simpático nome por ser um tipo de radiação desconhecida para Röntgen e que atualmente sabemos se tratar de radiação eletromagnética, como a luz ou as ondas de rádio – a medicina deu salto qualitativo gigantesco. Pela primeira vez, poderíamos realizar exames e embasar diagnósticos com uma precisão muito maior (e sem a necessidade de intervenções cirúrgicas), além de conseguir estudar a fisiologia animal em detalhes – e sem provocar sofrimentos desnecessários que por vezes eram fatais. Mais do que ser utilizado como ferramenta da medicina, os raios-X também permitiram o desenvolvimento de testes de qualidade e a melhoria de técnicas de produção, especialmente de objetos que utilizavam ligas metálicas e soldas (o próprio Wilhelm Röntgen tirava radiografias de seus rifles, apontando defeitos em sua construção.
A descoberta dos raios-X são um exemplo clássico de como o avanço do conhecimento científico provoca mudanças profundas na sociedade. Mas não é o único. Coincidentemente, no mesmo novembro em que Röntgen descobriu os raios-X e fez a primeira radiografia da história, outro cientista europeu entrava para a história por desenvolver um equipamento que até hoje é largamente utilizado. Pouco mais de 230 anos antes, Robert Hooke publicava o seu livro “Micrographia”, com ilustrações de insetos, células vegetais, tecidos de seres vivos obtidas por meio do microscópio composto, cujo desenvolvimento é atribuído ao próprio Hooke.
O microscópio é um instrumento óptico que amplia a imagem de objetos com o auxílio de uma ou de mais lentes, ou seja, ele funciona a partir da incidência dos raios de luz que atingem uma ou mais lentes, que por sua vez, provocam a ampliação da imagem de objetos. A sua invenção ocorreu no século XVI e é creditada aos holandeses Hans e Zacarias Janssen, embora as primeiras observações com finalidade científica tenham sido realizadas pelo também holandês Antonie van Leeuwenhoek, que observou pela primeira vez glóbulos vermelhos do sangue, fibras musculares e os espermatozoides. Cabe lembrar que Leeuwenhoek inicialmente utilizava o microscópio para verificar a qualidade dos tecidos que vendia – ele era vendedor de tecidos, profissão que herdara de seu pai. Ao perceber a possibilidade de associar lentes para ampliar objetos de acordo com a sua necessidade, Leeuwenhoek criou uma enorme quantidade de lentes e ajudou de forma decisiva a melhorar o equipamento criado por seus compatriotas.
O microscópio utilizado por Hooke era uma versão aperfeiçoada do microscópio criado por Antonie van Leeuwenhoek, o que foi um imenso marco tecnológico: pela primeira vez, um microscópio era constituído de partes móveis, o que permitiu observar objetos muito pequenos com maior facilidade, já que a distância focal poderia ser alterada a partir de um parafuso colocado no corpo do microscópio. Além disso, o microscópio de Hooke poderia ser direcionado para qualquer ponto, vantagem que o microscópio de Leeuwenhoek não possuía.
Além de observar, Hooke reproduziu as imagens por ele observadas e as publicou no livro “Micrographia”, que rapidamente tornou-se um clássico científico e alçou o nome do cientista para a história. Na obra publicada em 1664, Hooke ilustrou pulgas, piolhos, larva e os olhos de mosquitos e das estruturas de penas de aves e a estrutura de folhas e de estruturas vegetais, como a cortiça – utilizada como matéria-prima das rolhas da garrafa de vinho e de murais de recado – e até dos cristais de gelo.
Coube a Hooke cunhar o termo “célula” para a estrutura que compõe os seres vivos, embora a célula identificada pelo cientista seja conceitualmente diferente da atual.
Tentando compreender a estrutura da cortiça, Hooke observou cavidades preenchidas com ar com formato hexagonal e as nomeou de células (que vem do latim “cella”, ou “pequena cavidade”). Hoje sabemos que a estrutura observada por Hooke era, na verdade, a parede das células mortas da cortiça. Evidentemente, não é possível culpar o cientista inglês por não ter conseguido nomear corretamente as coisas: afinal, como podemos dar nome para aquilo que não sabemos que existe?
Mas além de trazer imagens detalhadas de objetos que nunca mais vimos com os mesmos olhos, o microscópio foi protagonista de uma importante mudança cultural: os microrganismos. Explica-se: a presença de microrganismos, como as bactérias, não era associada a locais considerados limpos ou puros. A água da chuva, por exemplo, era considerada absolutamente limpa. Do mesmo modo, a saliva e o suor de mulheres da elite europeia, idem. Com o uso do microscópio, mostrou-se que essas substâncias não eram livres da presença desses microrganismos. E mais: alguns desses microrganismos estavam presentes na saliva de mulheres que eram consideradas “puras”, pois essas mulheres nunca tinham tido contato sexual com outras pessoas (puritano, eu sei). Pela primeira vez, a humanidade percebia que formas de vida muito menores do que nós, vivia em nossos corpos e em objetos de nosso cotidiano.
Foram essas observações que deram início aos tratamentos que efetivamente curaram inúmeras doenças infecciosas e deu razão para o surgimento do saneamento básico como conhecemos, ainda que durante muitos anos, não se tenha associado a presença dos microrganismos e as doenças.
E se você ficou com vontade de folhear o Micrographia, o Google Arts & Culture tem um site dedicado a obra. Basta acessar este link aqui.
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