Dinâmicas da cultura científica: jovens revisando artigos científicos para a Frontiers For Young Minds

Todo trabalho científico possui detalhes que passam longe do grande público. Não que a intenção seja, necessariamente, escondê-los de outras pessoas que não atuam diretamente com a produção do conhecimento científico. A questão é que esses detalhes acabam ganhando maior pertinência dentro do ambiente da ciência [1], muito embora a maioria desses detalhes possam ser importantes para melhorar a compreensão do contexto de uma determinada pesquisa ou o alcance e a importância de seus resultados.

Essa percepção crítica sobre a divulgação e o ensino do conhecimento científico não é uma coisa nova. Desde a proposição dos primeiros modelos voltados ao que conhecemos como CTS, na década de 1960, há a defesa para que o grande público conheça não apenas os resultados, mas também os objetivos e os métodos empregados em uma pesquisa científica. Afinal, como discuti neste texto, essas influências podem vir acompanhadas de interesses nem sempre honestos para influenciar a opinião pública ou para obter algum tipo de vantagem comercial. Além disso, filósofos da ciência como Paul Feyerabend defendem enfaticamente que é direito de todo cidadão que ele participe dos processos de desenvolvimento do conhecimento científico, especialmente em locais onde se espera o exercício pleno da democracia [2].

A ausência de especificidades sobre a pesquisa científica, como os detalhes envolvidos na forma como os resultados e conclusões de estudos são discutidos e aceitos entre os cientistas, tem suas múltiplas causas. Por um lado, um sistema educacional que privilegia o estudo conceitual e apresenta o conhecimento científico como algo finalizado e sem conexões com as indagações de nossa vida. Junto disso, temos uma demanda informacional que tende, pela necessidade da rapidez de informações e apelo comercial, ser objetiva em termos de resultados, renunciando à profundidade das discussões metodológicas sobre o tema. Não é difícil pensar nas consequências da combinação desses fatores — e, claro, na necessidade de modificar esse cenário com a maior rapidez possível.

Afinal, o interesse pela ciência existe entre os brasileiros e persiste em diferentes proporções durante e após a fase de educação formal, como apontam os resultados das pesquisas de percepção pública da ciência e tecnologia realizadas no Brasil [3]. Não estaria, então, o desafio do ensino de ciências, da divulgação científica e do jornalismo científico em apresentar os métodos da ciência, não apenas aqueles de apelo experimental, mas também aqueles que envolvem a comunicação científica, a troca de conhecimentos e até os embates para que um determinado conhecimento seja acolhido pela comunidade de cientistas de um determinado campo? E mais: como adequar este desafio as mais diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos encontrados em nossa sociedade?

Certamente não teremos respostas rápidas nem simples para estes desafios. Mas temos caminhos que podem ser interessantes para, ao menos, servir como parte da solução. Um deles é a inserção de crianças e adolescentes nas dinâmicas do desenvolvimento científico, em atividades como a revisão por pares de uma pesquisa e a publicação de um texto acadêmico em um periódico.

É essa a proposta da Frontiers For Young Minds, periódico científico voltado para o público a partir dos 9 anos de idade. Se você acompanha o ccult.org há algum tempo, deve ter visto o material sobre o The Nobel Colection e as sugestões de uso dos textos de divulgação científica escritos para crianças e adolescentes por vencedores do Nobel. A Frontiers tem um corpo editorial composto por crianças e adolescentes que são orientados por mentores com formação em uma das seis áreas do conhecimento cujos textos são abrangidos pela revista. Os editores têm a mesma função de um editor de um periódico convencional: revisar o texto enviado por um cientista — que neste caso, foi convidado para esta submissão — para garantir ele esteja adequado para o público da revista. Os artigos submetidos ao periódico são escritos por cientistas que realizam pesquisas de ponta em suas áreas, de modo que os artigos publicados na Frontiers sejam artigos com informações atualizadas com o que de melhor o conhecimento científico de uma área atualmente possui em uma linguagem acessível para jovens de todo o mundo.

Esquema de funcionamento da submissão de artigos para a Frontiers For Young Minds. | Reprodução.

A Frontiers For Young Minds publica os artigos majoritariamente em inglês, apesar de editores e orientadores de vários países fazerem parte do corpo editorial do periódico. Os tradutores automáticos funcionam bem, exceto na tradução de imagens e outros objetos estáticos na página. Ainda assim, é possível compreender o contexto das informações inseridas nas imagens, já que elas também são produzidas visando o público jovem a quem se destina o periódico. Um exemplo é o artigo das pesquisadoras Beatriz de Sousa Rangel e Renata Guimarães Moreira, do Instituto de Biociências da USP e do pesquisador da Universidade de Miami, Neil Hammerschlag. Intitulado “Urban Living Affects the Nutrition of Sharks” (A vida urbana afeta a nutrição dos tubarões), o artigo apresenta um texto descritivo sobre a pesquisa e diagramas que ilustram como é a obtenção de alimentos pelos tubarões e como este processo é afetado pela ocupação urbana. O texto descreve o método da pesquisa e como os resultados puderam ser interpretados. Assim, ao invés de focar apenas na conclusão, o texto — como qualquer artigo científico que apresenta um resultado de pesquisa — também se preocupa em descrever os métodos empregados pelos pesquisadores. É ou não é uma boa ideia para apresentar o contexto da produção da ciência para crianças e adolescentes?

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[1] Em geral, os detalhes da produção do conhecimento científico são simplificados, quando não suprimidos, de materiais de divulgação da ciência. Uma série de motivos, desde os epistemológicos até os editoriais levam a essa escolha, que, como a própria natureza do ccult.org, deveria ser urgentemente repensada.
[2] Para maiores detalhes sobre isso, leia “A ciência em uma sociedade livre”, escrito por Feyerabend e publicado no Brasil pela Editora Unesp.
[3] Disponível em: http://percepcaocti.cgee.org.br

Para saber mais:

Com informações de Jornal da USP.

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