O imaginário popular trata o cientista como alguém com superpoderes. Afinal, o cientista — que quase sempre, o retrato do cientista remete a alguém do sexo masculino que observa seus tubos de ensaio e quase não tem interações sociais — é alguém que sempre vai descobrir alguma coisa. E este processo de descoberta (e é bom salientar que a ideia de “descoberta” em ciência tem seus problemas ontológicos), segundo o mesmo imaginário popular, é imune a erros de qualquer espécie.
Ter essa visão de imunidade aos erros é um desserviço à ciência. Afinal, a atividade científica é uma atividade complexa e que luta diariamente para minimizar seus erros. E por isso mesmo, merece seu crédito em diversas questões nas quais atua: confiar na ciência é reconhecer que apesar de possuir muitas limitações, ela é um conhecimento que busca a todo instante corrigir suas rotas em seus métodos e conceitos. Então, saber que cientistas estão fadados a erros de julgamento, interpretação e de conclusão, entre tantos outros, deveria servir para incentivarmos ainda mais a pesquisa científica.
E mesmo grandes cientistas não estão imunes a erros em suas pesquisas ou na interpretação de seus resultados. É o que o livro do astrônomo, matemático e escritor italiano Mario Livio apresenta. Na obra “Tolices Brilhantes: de Darwin a Einstein, os grandes erros dos maiores cientistas” (Record, 2017, 348 páginas), Livio mostra erros cruciais cometidos por Darwin, Thompson (ou Lorde Kelvin), Linus Pauling, Fred Hoyle e Einstein nos contextos de suas pesquisas ou defesa de pontos de vista que continham erros conceituais graves o suficiente para comprometer todo o resultado do que defendiam. Em outras palavras, o livro discute como esses cinco grandes cientistas erraram a mão em interpretações conceituais ou no significado de suas teorias.
Mais do que mostrar que, em muitos casos, o progresso científico não é linear, Livio esclarece onde estavam os pontos de divergência conceitual e como eles foram discutidos pelos autores das “mancadas” e por aqueles que trabalharam para mostrar e corrigir os erros apresentados por eles. E o livro é excelente nesse aspecto: cada capítulo em que os erros são discutidos trazem o contexto, os detalhes teóricos, as fontes a narrativa de como as questões foram resolvidas sob o ponto de vista científico. Além disso, a obra traz ilustrações e imagens em preto e branco de descobertas, de cientistas e de documentos históricos.
Os erros cometidos pelos cientistas — exceto o de Linus Pauling, que cometeu um equívoco conceitual relativamente básico e o de Albert Einstein, cuja ideia de universo estático fora implementada apenas por parecer mais “conveniente” — podem ser atribuídos às visões conceituais de sua época. A genética não havia se desenvolvido quando Darwin propôs a sua teoria da seleção natural e as reações nucleares de fissão estavam longe de serem um conhecimento integrante do conhecimento científico quando Lorde Kelvin especulou que Terra não deveria ter mais do que cem milhões de anos de idade e continuou a insistir nisso mesmo quando se demonstrou que sua explicação era incompleta. De toda forma, todos os erros cometidos pelos cientistas foram abertamente discutidos e corrigidos por outros cientistas, ainda que os autores tivessem renome. Este é outro ponto de sucesso do livro: mostrar que o conhecimento científico não é um conhecimento dogmático e está passível de atualização a qualquer tempo, independentemente de quem o propôs incialmente. Ou como Livio intitula o capítulo 5: “a certeza geralmente é uma ilusão”.
Apesar de ter quase 350 páginas, o livro não é nem um pouco exaustivo. Talvez isso se deva ao estilo de escrita de Livio, que une suas descrições a citações de autores relacionados com o tema de cada capítulo. Contudo, é compreensível que alguns se incomodem com o uso das citações no meio do texto, já que elas podem quebrar um pouco o ritmo da leitura por conta de sua diagramação — citações diretas com mais de três linhas tem fonte e espaçamento diferenciados do texto, o que é comum para textos relacionados a temas científicos.
O livro “Tolices Brilhantes: de Darwin a Einstein, os grandes erros dos maiores cientistas” está disponível em formato físico e digital e pode ser adquirido no site da editora ou nas principais livrarias e marketplaces do país.
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