Eu ainda considero nosso tempo paradoxal. Vivemos rodeados de aplicações do conhecimento científico, dependemos dos avanços que ele propicia, nossas relações sociais são implicadas —para o bem e para o mal, não esqueçamos — diretamente pela prática científica em todos os aspectos. Mas, ao mesmo tempo, a ciência é vista como algo distante e sem relação com o dia-a-dia. Negacionistas aparecem o tempo todo tentando desacreditar o valor do conhecimento científico, como se ele fosse algo “restrito aos escolhidos”, negando justamente a sua influência sobre a nossa vida.
Uma parte da explicação para as causas desse paradoxo (ainda não encontrei um nome para batizá-lo e aceito sugestões) é que, de fato, a prática científica não é algo palpável para a maior da população. E quando me refiro ao termo “prática científica”, estou colocando os métodos, formação, o trabalho e a vivência praticada por cada cientista em suas pesquisas e nas discussões de seus resultados. Assim, fica mesmo difícil entender a diferença entre um pré-print e um artigo publicado com peer-review ou a diferença essencial entre revistas divulgação científica dos periódicos de publicação científica. Isso sem se falar na visão ainda estereotipada de que o cientista tem que ser inteligente, leitor, solitário e que vive dentro de um laboratório.
Entender como se dá o trabalho científico é o primeiro passo para uma compreensão profunda da ciência, especialmente em seus aspectos sociais, ideológicos, políticos e metodológicos. Se esses aspectos serão aplicados pelas pessoas em suas decisões pessoais, é outra história. O caso é que a ciência é uma das mais importantes construções humanas e aqui nasce a resposta da pergunta inicial: a ciência é uma construção social em busca de uma ou mais respostas para um questionamento.
Em grande parte, é isso que difere o conhecimento científico de outros conhecimentos: a inexistência de dogmas é a premissa que permite que todo fato dito científico possa ser discutido, estudado e corrigido com o passar o tempo (por isso você sempre ouve falar em mudanças nas afirmações de cientistas).
A busca pelas repostas as questões, as perguntas que motivam os cientistas, é uma busca coletiva. Seja a partir dos conhecimentos estabelecidos ou a partir de experimentos, de novas teorias ou novas interpretações, o conhecimento é discutido entre os pares, isto é, cientistas que possuem conhecimentos suficientes sobre o que é pesquisado apresentam suas ideias e o que as justificam até que um consenso sobre o que é discutido seja atingido. Discordâncias são naturais, mas não são levadas à sério se elas não se baseiam na realidade ou são apoiadas em fatos deturpados (por isso o tal “tratamento precoce” para a covid-19 não é cientificamente válida, já que inúmeros estudos mostram a sua ineficiência no combate a doença).
Então, por que devemos confiar na ciência? Porque é um tipo de conhecimento que não é embasado no argumento da autoridade. Não é porque você é uma pessoa cheia de títulos e de diplomas, dotada de uma grande inteligência, que seu argumento será validado automaticamente aceito pela comunidade científica; é preciso que seu argumento seja bom o suficiente para que outros cientistas concordem com o seu ponto de vista e passem a adotar a sua interpretação para aquilo que está em estudo. Entende agora por que você precisa das normas ABNT?
A construção social que permeia a ciência é uma das formas de se minimizar erros e se valorizar as ideias ao invés das pessoas. Como uma prática humana, a ciência não é imune aos erros. Mas é uma forma eficiente de encontrarmos respostas para as perguntas que nos afligem — ou para aquelas que ainda nem sabemos que existem.
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
[…] minimizar seus erros. E por isso mesmo, merece seu crédito em diversas questões nas quais atua: confiar na ciência é reconhecer que apesar de possuir muitas limitações, ela é um conhecimento …. Então, saber que cientistas estão fadados a erros de julgamento, interpretação e de […]