InícioSanta Tracker (ou como é rápido o Papai Noel)

Santa Tracker (ou como é rápido o Papai Noel)

No século XX, a humanidade testemunhou avanços científicos e tecnológicos que mudaram definitivamente a forma como a nossa civilização interage, trata as suas doenças e lida com as suas questões pessoais e coletivas. Os métodos contraceptivos, os tratamentos médicos, as tecnologias digitais, a comunicação por ondas eletromagnéticas via satélite são alguns exemplos decorrentes do desenvolvimento de conhecimentos e de técnicas observados no último século. As duas últimas, especialmente, foram desenvolvidas já no contexto da guerra fria entre a então URSS e os EUA. E isso tem tudo a ver com a nossa capacidade de rastrear o Papai Noel em sua – literalmente – rápida viagem para entregar os presentes para crianças de todo o planeta.

Uma das tecnologias essenciais para o nosso dia a dia e o GPS, sigla em inglês para Global Positioning System, ou “Sistema de Posicionamento Global”. Basicamente, o GPS é um sistema composto por 24 satélites que orbitam a Terra a uma altitude de pouco mais de 20 mil quilômetros, com velocidade orbital próxima dos 12 mil km/h (para efeito de comparação, um avião comercial, por exemplo, voa a mais ou menos 12 quilômetros de altitude, enquanto a ISS, a Estação Espacial Internacional, está a uma altitude de pouco mais de 700 quilômetros). Com um grupo de satélites posicionado sobre uma região, um receptor (seu celular, um aparelho de GPS, um míssil, etc.) capta os sinais emitidos pelo satélite e, triangulando o envio e a recepção dos sinais com mais outros dois satélites, consegue obter a sua localização com erro abaixo de 10 metros em regiões abertas, sem interferências como pontes ou túneis. Como todo o processo ocorre com a troca de ondas eletromagnéticas, que viajam com a mesma velocidade da luz, a localização ocorre de maneira quase instantânea.

Todo o processo é explicado no vídeo a seguir:

O interessante é que a invenção do GPS tem relação direta com a corrida espacial. O primeiro satélite lançado para o espaço foi o Sputnik I, em outubro de 1957. Com ele, os russos testaram um sistema de comunicação via rádio que permitiria saber se o satélite estava operacional e ainda poderiam verificar algumas condições de comunicação que mais tarde foram utilizadas nas missões com a cadela Laika e o cosmonauta Yuri Gagárin, o primeiro ser humano a ver o nosso planeta pelo lado de fora. Tudo isso com um bip intermitente que poderia ser captado por qualquer aparelho radioamador sintonizado na frequência correta.

Os russos saíam na frente da corrida espacial. Por sua vez, os Estados Unidos ainda organizavam a estrutura de seu programa espacial. Mas a ainda existia a necessidade de verificar como o satélite russo se comportaria se passasse sobre o território dos EUA. Afinal, o que o satélite russo poderia causar no território potencialmente inimigo? Era preciso saber, com a maior antecedência possível, a localização do Sputnik. Mas como fazê-lo se eram conhecidos apenas os bips enviados pelo satélite? Fazendo uma espécie de engenharia reversa, em que a frequência do sinal emitido pelo satélite russo era captada e analisada, de modo a permitir o cálculo de sua trajetória. Daí, surgiu a ideia de se criar o primeiro sistema para a localização em terra e chegamos enfim, ao GPS.

Avistando o Papai Noel

O desenvolvimento de sistemas antimísseis era uma necessidade no contexto pós segunda guerra mundial. Nos Estados Unidos, o Centro de Comando de Defesa Aérea Continental fora criado como o órgão responsável por monitorar eventuais misseis balísticos intercontinentais que pudessem atingir o território norte-americano utilizando sistemas de sensores infravermelhos e, posteriormente, satélites de vigilância. Só que na véspera de Natal de 1955, os telefones do órgão de segurança não paravam de tocar. O motivo? A Sears Roebuck & Co, uma rede de lojas de departamento de Chicago, distribuiu cartões com um número de telefone para que as crianças ligassem caso quisessem a localização exata do Papai Noel. Só que ao invés de informar o número do atendimento da companhia, o cartão tinha o telefone ao alto comando do Centro de Comando de Defesa Aérea Continental. O coronel Harry Shoup e sua equipe passou a noite atendendo aos telefonemas de crianças querendo saber onde estaria o bom velhinho. Surgia ali uma tradição de Natal, que continuou mesmo com a mudança de nome e de atribuições da agência, que passou a ser chamada de NORAD, sigla que significa “Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte”. E se utilizavam-se sensores infravermelho, desde 1963, o órgão poderia utilizar o GPS, que acabara de ser implementado oficialmente para o uso militar. E desde os anos 2000, o GPS possui outros concorrentes, como o Galileo, desenvolvido pela Agência Espacial Europeia, o BeiDou, desenvolvido pela China e o Glonass, criado e mantido pela Rússia.

Atualmente, o NORAD apresenta o trajeto em tempo real do Papai Noel em seu site: https://www.noradsanta.org/ (o site está disponível em cinco línguas, incluindo o português). Aliás, o Google tem um serviço muito parecido com o oferecido pelo NORAD, no site: https://santatracker.google.com/.

Fisicamente falando, Papai Noel é um senhor muito interessante. Para dar conta de atender a todas as crianças cristãs que existem no mundo, seu trenó deveria viajar a pouco mais de 1000 km/s (umas 3000 vezes a velocidade do som ou cem vezes a velocidade necessária para escapar da atração gravitacional do planeta Terra!) e o seu tempo de parada, desembarque, entrega e embarque não poderia ser maior do que 1 milésimo de segundo, ou cem vezes mais rápido do que um piscar de olhos. Isso sem contar o calor que o atrito entre o ar e a enorme massa do trenó com todos os presentes de Natal, renas – que deveriam ser muito mais do que as quatro ou seis que costumeiramente são representadas) e o próprio Papai Noel: com uma velocidade gigantesca e uma massa imensa, o arrasto produziria um calor (ou energia) da ordem de 1018 J (100000000000000000 ou um quintilhão de joules).

No fundo, Papai Noel é só alguém com muita energia disponível. Nós só precisamos aprender a usar essa energia para conviver melhor com os nossos semelhantes.

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F. C. Gonçalves

Flávio “F. C.” Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.

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