CCULT LIVROS: Os melhores textos de Richard P. Feynman

A didática de Richard Feynman é impressionante. Uma de suas apresentações mais conhecidas aconteceu durante a apresentação do relatório final da investigação do acidente com o ônibus espacial Challenger, em 1986 [1], cuja cena é mostrada no filme “Ônibus Espacial Challenger”. Feynman, que no filme é interpretado por William Hurt, demonstrou utilizando materiais comprados em lojas de materiais de construção e gelo para evidenciar como a má conservação das borrachas de vedação dos tanques de combustível do foguete associado as baixas temperaturas no dia do lançamento foi determinante para trágico acidente que vitimou os sete astronautas (e fez nascer uma das histórias mais bonitas da história da exploração espacial).

Entretanto, uma das maiores demonstrações de sua didática está presente nas famosas Lectures on Physics, ministradas por Feynman no CalTech nos anos 1960. As aulas de Física ministradas por Feynman são brilhantes, tanto pelo didatismo, quanto pela profundidade teórica (o capítulo sobre energia é simplesmente fantástico, leiam).

Se você acompanha o ccult.org, sabe que Feynman já apareceu por aqui outras vezes. Certo, então por que escrever dois parágrafos para falar sobre a didática e a capacidade comunicativa de Feynman? Primeiro porque Feynman merece. A sua obra científica é formidável, que lhe valeu um Nobel em 1965. Segundo, porque a obra que reúne algumas das grandes palestras do cientista norte-americano está inserida nesse contexto de genialidade e de aulas que não apenas ensinam, mas inspiram e, principalmente, provocam questionamentos que vão além dos temas propostos.

Reprodução.

Os melhores textos de Richard Feynman (Blucher, 2015, 289 p.), com organização de Jeffrey Robbins, prefácio de Freeman Dyson e tradução de Maria Beatriz de Medina, reúne treze palestras e conferências ministradas por Feynman em diversas partes do mundo. As palestras discutem, além dos temas de ciências da natureza (como nanotecnologia, área em que Feynman é considerado um dos precursores), a relação entre a ciência e a sociedade.

E são justamente as discussões a respeito do papel da ciência e de sua relação com a sociedade que surgem as inspirações e questões que avançam além do aprendizado que uma palestra poderia promover. As reflexões que podem ser incômodas, ou até soarem óbvias, são fundamentais de serem feitas — ou recordadas. Como por exemplo, na palestra “O Valor da Ciência”, Feynman reitera um importante valor da ciência inspirado em uma visita a um templo budista no Havaí e a famosa citação de Buda: “a cada homem é dada a chave dos portões do paraíso; a mesma chave abre os portões do inferno”: todos os cientistas têm uma grande responsabilidade com o conhecimento científico e com a sociedade que o apoia, de modo que os cientistas devem aprender o que puder, aprimorar as soluções e passá-las adiante. É também uma responsabilidade dos cientistas a forma como os seus conhecimentos serão aplicados.

Mas talvez a principal reflexão que Feynman apresenta está relacionada com o papel da ciência na sociedade. É um tema absolutamente pertinente em nosso tempo e Feynman, com maestria e certa dose de sinceridade, apresentar o seu ponto de vista a respeito da irrelevância do conhecimento científico para a sociedade. Essa “irrelevância” se dá não na aplicação prática, mas sim, na falta de necessidade de se discutir a produção do conhecimento científico e os resultados de pesquisas científicas no cotidiano. Esse é um assunto que ainda é parte de inúmeras pesquisas em percepção pública da ciência: até que ponto as pessoas (como diz Feynman, as pessoas no geral, o cidadão médio) entendem como a ciência é praticada?

Da mesma forma que Carl Sagan (especialmente em seu livro “Variedades da Experiência Científica”), Feynman discutiu a relação entre a ciência e a religião. É interessante notar que Feynman não atribuiu um papel de total superioridade a ciência: Feynman defende uma relação crítica e de mútua contribuição.

Cada palestra disponibilizada em “Os melhores textos de Richard P. Feynman” é incrível. Como o físico Herch Moysés Nussenzveig, um dos maiores cientistas da história do Brasil e que assinou uma das abas (ou orelhas, como queira) do livro, escreveu: “nesta coletânea (…), Feynman explica que dedicava à Física não para ganhar o Nobel, mas pelo prazer de descobrir como o mundo funciona”.

Brilhante é uma descrição tímida para o conteúdo da seleção de palestras proferida por Feynman e reunida na obra.

O livro “Os Melhores Textos de Richard P. Feynman” está disponível em edição impressa e digital e pode ser adquirida nos melhores marketplaces da internet ou pelo site da editora Blucher.

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[1] A Netflix produziu uma excelente série sobre o tema, mostrando as motivações para a escolha de Sharon Christa McAuliffe, uma professora de ciências que seria a primeira civil dos Estados Unidos a ir ao espaço. Além da série, fica a recomendação da reportagem produzida pela Rede Glob

 

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