Feche os seus olhos e tente se transportar para um laboratório de pesquisa. O que você imagina? Quais as características das pessoas que estão por ali? O que elas fazem? Como você rascunharia a cena que imaginou?
Esse breve exercício imaginativo nos auxilia a perceber quais são nossas visões ou percepções acerca de determinado tema. Nossas premissas nos guiam para representar aquilo que imaginamos. De forma geral, essas premissas estão amparadas em aspectos culturais que estão conosco desde quando nos entendemos por gente e provavelmente estarão conosco até o fim de nossas vidas. Carl Sagan, em seu clássico “O Mundo Assombrado Pelos Demônios” (1994) discutiu essa questão quando falou sobre pessoas que relataram terem sido abduzidas por alienígenas: quando chamadas a descreverem os seres extraterrestres, as vítimas sempre os caracterizavam como bípedes, com mãos dotadas de dedos, uma cabeça com face simétrica (incluindo dois olhos e as narinas) e uma boca na mesma região onde está localizada em um ser humano.
Aliás, fica o convite: tente você desenhar um ser extraterrestre hipotético. Dificilmente você não traria a ele características encontradas na espécie humana.
Pois bem. Sabendo dessa condição de representação relacionada com os aspectos culturais, é comum que pesquisas na área de ensino de ciências tentem verificar qual é a imagem que estudantes tem de um cientista e de seu trabalho, que pode ser visualizada por meio da análise de desenhos feitos a partir das sugestões de pensamento que fiz no começo deste texto.
Em geral, cientistas são representados como seres solitários, que vivem trabalhando, lendo e observando tubos de ensaio ou telescópios com seus jalecos brancos, óculos e cabelos bagunçados. São comuns também a representação de um cientista como um sujeito que vive matematizando tudo o que vê, sente e come. Em suma, os estereótipos sobre o cientista e o seu trabalho estão enraizados em nossa cultura e ganham ainda mais força com deturpações feitas pela mídia e o afastamento de cientistas do público.
No Brasil, pesquisas com esse propósito, mesmo realizadas com grande intervalo de tempo, mostram que essa tendência do estereótipo do cientista é persistente: essa pesquisa de 2012 mostra que as representações feitas por alunos do 8° e do 9° ano do ensino fundamental ainda refletem os mesmos estereótipos relatados nessa pesquisa de 1994! O pior é que essas visões estereotipadas sobre o cientista feitas por alunos do ensino básico são recorrentes em estudantes de licenciatura, que por sua vez, chegarão à sala de aula… Bem, chegaremos à questão de um ciclo vicioso perigoso para o progresso científico e social de uma nação.
Entretanto, há um aspecto nas representações sobre os cientistas que há anos chamam a atenção de diversos pesquisadores da área: o cientista quase sempre é representado como sendo do sexo masculino. É como se o trabalho de pesquisa científica fosse um trabalho exclusivo de homens. Pode ser até compreensível a existência de uma percepção como essa: é raro encontramos na mídia referências a descobertas ou ao trabalho realizado por mulheres. As premiações, que sempre geral algum destaque, demonstram a desproporcionalidade entre os sexos: os homens receberam 95% dos Prêmios Nobel concedidos até hoje. Neste caso, uma das causas dessa disparidade reside justamente na menor quantidade de pesquisadoras em comparação com profissionais do sexo masculino.
Por isso, o resultado desta pesquisa chamou tanto a atenção nesta semana. O estudo, que revisou trabalhos semelhantes realizados desde a década de 1970, identificou que o índice de crianças que representou mulheres no trabalho científico aumentou significamente: de 1% entre 1966 e 1977 para 28% entre 1985 e 2016. O estudo também trouxe um indicativo interessante: a porcentagem de estudantes que associam os homens ao trabalho científico dá um salto nas faixas etárias correspondentes aos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. O motivo? Os estereótipos reforçados pela mídia em séries ou filmes, que só recentemente são desmistificados com mulheres fazendo o papel de protagonistas em ficções (como no filme “Gravidade”) ou sendo representadas pela sua importância histórica e social (como no imperdível “Estrelas Além do Tempo”).
A evidência do fator social que a questão possui, isto é, a indicação de que a questão do estereótipo do cientista é motivada por uma percepção errônea pode sim ser uma boa notícia: esse tipo de erro pode ser corrigido e, neste caso, propiciar a igualdade e o reconhecimento ao trabalho de mulheres cientistas em todo o mundo. Por isso, obras como o livro de Rachel Ignotofsky “As cientistas — 50 mulheres que mudaram o mundo” (Blucher, 2017) e o livro “Mulheres que Ganharam o Prêmio Nobel”, de Sharon Bertsch Mcgrayne, são tão importantes: elas divulgam o trabalho de mulheres que produziram trabalhos de grande importância para a ciência mundial e ajudam a mostrar o quanto é errônea a representação de uma ciência exclusiva do sexo masculino.
Obviamente, iniciativas como essas são pequenas perto de um cenário de grande desigualdade entre homens e mulheres na ciência. Mais do que mudar a forma como entendemos um cientista e o seu trabalho, precisamos incentivar a entrada das mulheres na ciência, com igualdade de condições para o desenvolvimento de seus trabalhos, de modo a tornar o ambiente acadêmico mais igualitário e democrático.
O artigo por Fabiani Figueiredo Caseira e Joanalira Corpes Magalhães, “Para mulheres na ciência”: uma análise do programa da L’Oréal”, publicado na Revista Iberoamericana de Educação (2015), discute algumas condições que possibilitaram a urgência da premiação e os discursos produzidos acerca das mulheres na ciência. Entre as conclusões do estudo, verifica-se que o espaço conquistado pelas mulheres aumentou, mas que a busca por igualdade de condições foi substituída pela busca por um “gênio” do sexo feminino. Nada poderia ser mais predatório…
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