O essencial é invisível aos olhos, como certa vez escreveu Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O Pequeno Príncipe”. Mas certas coisas nos parecem óbvias e ponto de nem serem notadas, como por exemplo, o movimento de queda-livre na superfície da Terra. Você solta um objeto de sua mão e ponto: ele cai em direção ao chão, não importando o tamanho, as dimensões ou quantas vezes você faça e refaça isso.
Mas há também o caso em que obviedades – por assim dizer – precisam ser reforçadas. Esse é o caso, por exemplo, da relação que podemos estabelecer entre a quantidade x qualidade de uma informação e a tomada de decisões relacionadas a esses dois fatores.
Você pode ter uma quantidade imensa de informação, mas que resultam em um conhecimento superficial, isto é, você tem um imenso conjunto de dados, mas não sabe profundamente sobre eles. Por exemplo, você pode saber o que é a diabetes, seus sintomas e as consequências dessa doença crônica para o organismo, mas pode não saber como fazer o seu tratamento. Ou você pode ter acesso a informações nutricionais dos alimentos, mas pode perfeitamente consumi-los sem ter a menor noção do que aqueles números e nomes significam. A bem da verdade, há uma distinção importante a ser feita entre informação e conhecimento e, bem, nem sempre essa distinção é óbvia, mas vamos nos ater a ideia de informação, isto é, a ideia de posse de um conjunto de dados e de fatos sobre um determinado assunto.
A pandemia de desinformação
Não estamos lutando apenas contra uma epidemia. Estamos lutando também contra a infodemia – Dr. Tedros Ghebreyesus, Diretor-Geral da OMS
Se precisamos de informação para saber como agir diante da pandemia da covid-19, ter informação ruim é tão perigoso quanto não ter nenhuma informação. A “infodemia” (ou o excesso de informações sobre um problema que é visto como um prejuízo para sua solução) é uma assombrosa realidade no combate ao coronavírus, como mostra este artigo de Matteo Cinelli e outros .
Em meio a situações fora do comum, é normal que as pessoas desejem saber o máximo possível sobre o que lhe tirou da normalidade. Com a pandemia de covid-19, isso não seria diferente. E uma questão importante sobre o papel da imprensa – e da divulgação científica, como não? – foi levantada neste artigo de Leonardo Bursztyn, Aakaash Rao, Christopher Roth e David Yanagizawa-Drott : a qualidade das informações disponibilizadas ao grande público contribui para a mudança de comportamentos e respeito as medidas de contenção do novo coronavírus?
Para isso, os autores utilizaram como parâmetro os dois programas noturnos mais assistidos da TV por assinatura dos Estados Unidos: o Sean Hannity Tonight e o Tucker Carlson Tonight (coincidentemente, ambos são da Fox News). Utilizando métodos de análise do discurso, isto é, coletando as falas e textos exibidos pelos dois programas e verificando as tendências de argumentos e de informações contidas neles, os autores observaram que o primeiro descartava os riscos relacionados ao Sars-CoV-2, enquanto o segundo programa, de Tucker Carlson, já alertava seus espectadores desde fevereiro sobre a ameaça que a doença representava.
A partir daí, os autores aplicaram um questionário para pouco mais de mil espectadores da Fox News com idade igual ou superior aos 55 anos. O resultado obtido com o questionário aponta que os espectadores do Hannity Tonight (que minimizava os efeitos da pandemia) demoraram, em média, cinco dias a mais para mudar seus comportamentos do que os outros espectadores da Fox News, enquanto os espectadores do programa de Tucker Carlson fizeram a mudança em suas rotinas três dias antes do que a média dos outros espectadores do canal.
Se não bastasse a evidência de que as informações corretas propagadas pelos meios de comunicação sejam fundamentais para a mudança de comportamento pessoal e, consequentemente, da diminuição dos casos de covid-19, os autores verificaram que existe uma tendência de casos 30% a mais e uma taxa de mortalidade 20% maior entre os espectadores do programa de Sean Hannity do que entre os espectadores do programa de Tucker Carlson.

Com a mudança de tom na cobertura do Hannity Tonight, abandonando o viés negacionista do coronavírus, seus espectadores também modificaram seus comportamentos. O que reforça a importância da informação correta a todos oferecida pelos meios de comunicação.
Informações corretas salvam vidas. Se em tempos normais a qualidade da informação já era uma necessidade, em tempos de pandemia, ela é essencial. Parece óbvio. Mas o que é óbvio também tem que ser dito.
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Para saber mais:
- O artigo de Bursztyn et. al: Misinformation During a Pandemic, disponível no endereço: https://www.dropbox.com/s/7nl9998zuwdk81i/Misinformation_During_a_Pandemic.pdf
- Sobre a infodemia: CINELLI, M. et. al. The COVID-19 Social Media Infodemic. Disponível em: https://arxiv.org/pdf/2003.05004.pdf
- Texto do “The Wall Street Journal” com informações importante sobre a infodemia: https://www.wsj.com/articles/infodemic-when-unreliable-information-spreads-far-and-wide-11583430244
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
[…] a população e, principalmente, combater as informações falsas que se multiplicavam por aí. Deturpações, afirmações de caráter científico sem a devida comprovação pela ciência (a.k.a. pseudocientíficas), defesa de interesses escusos, ataques e acusações sem fundamentos […]