Ser um astronauta estava entre os três principais sonhos de minha infância. Talvez fosse essa mesma classificação na hierarquia de sonhos — ou de utopias — que a maioria das crianças de minha geração tinha sempre que pensava numa profissão para o futuro.
Só viajar pelo espaço (conhecido ou não) é uma epopeia maior do que eu pensava quando tinha meus sete anos de idade. Questões mínimas devem ser planejadas quando pensamos em levar seres humanos em segurança para qualquer lugar fora do planeta — alguns chamam esta etapa do planejamento de “fator tripa”, o que honestamente me faz pensar que o efeito Datena é mais profundo do que eu poderia um dia supor.
E é isso que o livro de Mary Roach “Próxima Parada: Marte – Curiosidades sobre a vida no espaço” (Paralela, 2013, 278 páginas) apresenta com humor e detalhamento ímpar.
A versão física é impressa em papel pólen soft e fonte de tamanho padrão. Mas se você preferir a versão digital para e-reader, fique tranquilo: o livro também é bem diagramado nesta versão e não há figuras que precisarão de maiores detalhes ou que teriam uma resolução horrível para ser visualizada no dispositivo. Talvez este seja o único ponto (nem tão) fraco da obra: a ausência de esquemas, infográficos, desenhos. Mas a leitura fluida e detalhada torna isso um mero detalhe. Afinal, o livro trata de histórias sobre a exploração espacial e não necessariamente sobre as tecnologias desenvolvidas durante e após a corrida espacial. A questão aqui é discutir quais seriam os passos que seres humanos teriam de desenvolver para conseguir chegar em Marte.
Nos dezesseis capítulos da obra, Roach descreve suas percepções e aprendizados a partir de visitas a centros espaciais, entrevistas com ex-astronautas e ex-cosmonautas e transcrições de conversas de rádio realizadas em inúmeras missões espaciais.
E já no primeiro capítulo, “Ele é inteligente, mas suas aves são toscas”, Mary descreve como a JAXA seleciona seus astronautas. Mais do que a aptidão física, os candidatos são avaliados em seus aspectos psicológicos, culturais e organizacionais. Como? Produzindo origamis e recebendo materiais sem qualquer informação sobre o destino de seu uso — em certo momento, Roach narra a confusão que os candidatos têm quando recebem a sua alimentação diária e não sabem se podem, por exemplo, deixar restos de comida no prato ou como devem alinhar os talheres utilizados.
Mas este é um dos inúmeros exemplos sobre a análise e treinamento acerca da mente humana que a autora apresenta nos livros. Em todos os capítulos há uma situação que envolve aspectos das relações humanas consigo mesmo e com outros. Mas um em especial chama a atenção. No capítulo 3, “O espaço pode causar alucinações?”, Roach traz conversas com pessoas de diversas nacionalidades que já estiveram no espaço sobre como se sentiram. É chocante perceber a profundidade do sentimento de solidão que eles sentiram quando estavam em órbita da Terra. É o que a autora chama, em nota de rodapé, de “aberração mental”, que pode ser sintetizada com o diálogo entre a Gemini IV e o centro de controle (p. 53-54), que tentava convencer James McDivitt a retornar para a cápsula.
A forma como Roach descreve estas situações é deliciosa. O humor leve que a autora usa em toda a obra ajuda a perceber o quanto humano é explorar o espaço. Afinal, é absolutamente natural sentir medo, desconforto, tensão e encantamento com a exploração do desconhecido. O que fica muito claro desde o começo da obra é que a exploração espacial é muito mais do que uma simples questão tecnológica: é conseguir superar profundas relações políticas, sociais e psicológicas entre todos os envolvidos.
Exemplo disso (e é apenas um dentre as centenas de exemplos) é o capítulo 8, “Um passo peludo para a humanidade – as estranhas carreiras de Ham e Enos”, que apresenta a história de dois chimpanzés que acabaram se tornando astronautas (pela mesma razão que Laika, a famosa cachorra russa também foi enviada para o espaço). Neste capítulo, caberia perfeitamente a fotografia do chimpanzé Ham segurando a capa de jornal com a manchete da notícia de sua ida ao espaço — uma das mais icônicas imagens da corrida espacial.
Realizar esses tipos de voos orbitais com animais tinham vários propósitos: testar sistemas de comunicação e de telemetria, reações dos organismos, materiais etc. Na história das missões espaciais, os soviéticos haviam feito missões utilizando simulacros que transmitiam vozes pré-gravadas. E até o que seria transmitido deveria ser pensado com cuidado para não gerar o risco do outro lado sugerir que o astronauta ou o cosmonauta enlouquecera no espaço. A nave com o chimpanzé Enos, por exemplo, transmitia uma mensagem falada por humanos — o que fez o presidente dos Estados Unidos à época afirmar que o animal fora o autor da fala. Pois é.
Já falamos no ccult.org sobre o lado humano da exploração espacial. E ler o “Próxima parada: Marte” é perceber claramente como pequenas vitórias — pessoais ou coletivas — construíram o atual cenário político, científico e tecnológico no qual estamos todos imersos. E é justamente neste ponto que devemos entender o papel do apoio a ciência: todo avanço científico ocorre com erros, acertos, superações e desvios. Explorar o espaço, assim como buscar novas vacinas ou apresentar novas teorias só ocorre após um imenso esforço de superação pessoal e coletivo.
O livro “Próxima Parada: Marte” está disponível em formato impresso e digital e pode ser adquirido nos principais marketplaces da internet brasileira.
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