O filme “Oppenheimer”, lançado em 2023 [1], pode tranquilamente ser alçado como marco para a indústria cultural em produções sobre ciência e cientistas, embora não pretenda ser, necessariamente, um filme de divulgação científica.
A cinebiografia, baseada no livro de 2005 escrito por Kai Bird e Martin J. Sherwin “American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer” — no Brasil, o livro foi lançado com o título: “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano” — mostra os principais aspectos da vida Oppenheimer, passando pela sua formação acadêmica, a sua carreira como pesquisador e como diretor do Projeto Manhattan e, principalmente, a sua vivência política antes e depois da Segunda Guerra Mundial.
Levando em conta que o ideal tecnocrata — de que pessoas com formação técnica seriam as mais capacitadas para definir e para gerir as políticas públicas, pois estas seriam mais racionais e, portanto, neutras — ainda estava em voga nos Estados Unidos durante os esforços da Segunda Guerra, não fica difícil entender porque Oppenheimer acabou virando um dos alvos do macarthismo, movimento liderado pelo então senador republicano Joseph McCarthy, que perseguiu, censurou e destruiu a carreira de pessoas que eram suspeitas de serem comunistas ou simpatizantes do comunismo.
McCarthy promovia difamações, audiências desgastantes e investigações contra pessoas que, em sua visão, eram infiltrados que tinham como objetivo “destruir por dentro a nossa grande democracia” [2]. Em pouco tempo, as relações em diversos setores da sociedade dos Estados Unidos foram pautadas pela desconfiança e paranoia, já que qualquer manifestação ou atitude poderia ser considerada uma defesa do comunismo e, portanto, um ato de traição passível de investigação no “Comitê de Atividades Antiamericanas” (HUAC, na sigla em inglês). O caso dos “Dez de Hollywood”, é um dos exemplos mais conhecidos de perseguição e de ataque promovidos pelo macarthismo.
As investigações contra Oppenheimer promovidas pelo macarthismo em 1954 levaram o cientista para as semanas de audiências e investigações retratadas no filme. Oppenheimer era um alvo ideal: tratado como herói nacional por sua liderança no Projeto Manhattan, o cientista nunca deixou de defender o seu ponto de vista político, como a oposição ao regime do general Franco durante a Guerra Civil Espanhola, nem de ter contato com pessoas que, supostamente, defendiam o comunismo. Assim, o caso de Oppenheimer serviria como uma espécie de “aviso” e, evidentemente, de uma vitória do macarthismo como movimento político dentro da sociedade dos Estados Unidos.

O escrutínio público sobre Oppenheimer levou Albert Einstein a se manifestar sobre como cientistas, em geral, estavam pressionados. Einstein, como se sabe, foi uma das figuras de influência para as ações do governo dos Estados Unidos que culminaram no desenvolvimento da bomba atômica — embora não tenha trabalhado diretamente no Projeto Manhattan e tenha se tornado um ativista antinuclear. Em entrevista ao The New York Times, Einstein afirmou, a respeito da desconfiança sobre a lealdade e o trabalho dos cientistas, que, se fosse jovem novamente, se escolheria a carreira de encanador ou de vendedor ambulante.
Se eu fosse um jovem novamente e tivesse que decidir como ganhar a vida, eu não tentaria me tornar um cientista, um acadêmico ou um professor. Eu preferiria escolher ser um encanador ou mascate [vendedor ambulante] na esperança de encontrar aquele modesto grau de independência ainda disponível nas circunstâncias atuais.
O que talvez Einstein não esperava era receber algumas cartas de encanadores convidando-o para o trabalho — ou, ao menos, para dizer que ser encanador era tão desafiador quando ser cientista [3].


O macarthismo caiu em desgraça após uma sequência surreal de violações aos direitos constitucionais e civis nos Estados Unidos. Não sem deixar marcas profundas em diversos setores da sociedade e, infelizmente, inspirando legados de movimentos similares mundo afora.
Como se sabe, Oppenheimer fora inocentado das acusações de deslealdade e de defesa do comunismo. Contudo, suas credenciais de segurança — o que permitia trabalhar com o poder público e acessar todos os documentos relacionados ao projeto, incluindo os dados e resultados das pesquisas realizadas — foram removidas. O cientista foi levado ao ostracismo acadêmico e teve que lidar com a desconfiança da opinião pública pelo restante de sua vida.
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[1] Oppenheimer é descrito por alguns críticos como um filme que tenta trazer uma visão de heroísmo e de excepcionalidade do povo americano para justificar a criação da bomba nuclear, ignorando, inclusive, as perdas de vidas inocentes decorrentes das duas explosões atômicas. São críticas válidas, evidentemente, embora, em minha visão, o filme deixe a questão para que o expectador decida sobre o personagem. Assim, se você deseja conhecer uma visão dos japoneses sobre os ataques sobre Hiroshima e Nagazaki, recomendo fortemente o filme “Túmulo dos Vagalumes”; contudo, aviso: prepare os lenços.
[2] Saiba mais sobre o Macarthismo em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/05/19/quem-foi-joseph-mccarthy-inquisidor-anticomunista-que-liderou-a-maior-caca-as-bruxas-dos-eua.ghtml.
[3] Evidentemente, Einstein não estava diminuindo a importância de profissionais como encadores ou vendedores ambulantes. A questão era retratar como intelectuais eram perseguidos e rechaçados a medida que as suas ideias fossem inovadores, progressistas ou incomodassem o status quo da época.
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