Marie Skłodowska-Curie (1867-1934) é uma das cientistas mais conhecidas de todos os tempos. Sua história pessoal é suficientemente rica para não passar desapercebida: nascida na Polônia, Marie – que era filha de professores – mudou-se para a França aos 24 anos para continuar os seus estudos em nível superior, já que em sua terra natal mulheres não eram oficialmente admitidas nas universidades.
Na França, conclui o curso superior em Física, Química e Matemática pela Universidade de Paris. Logo em seguida, inicia pesquisas com materiais magnéticos e, nesta mesma época, conhece Pierre Curie, então professor da Escola Superior de Física e Química Industrial de Paris. Os dois cientistas unem a pesquisa científica e a paixão por viagens de bicicleta e formalizam o casamento em julho de 1895.
Nos anos seguintes, Marie e Pierre Curie desenvolveram pesquisas com materiais radioativos que resultaram na obtenção do polônio (que recebe este nome em homenagem a terra natal de Marie) e do rádio. O estudo da radiação atraía cada vez mais pesquisadores e os resultados obtidos por Roentgen – com a descoberta dos raios-X em 1895 – propiciou o surgimento de novos estudos sobre o fenômeno que foi objeto de estudo do casal e de um sem-número de cientistas na época. Tal foi a importância das descobertas realizadas por Curie que ambos, em conjunto com Henri Becquerel, receberam o Prêmio Nobel em 1903. É neste mesmo ano que Marie recebe o seu título de doutora pela Universidade de Paris, ao mesmo tempo em que ainda era impedida de proferir discursos em sociedades científicas por ser mulher.
Em 1906, Pierre Curie é morto em um acidente, em Paris. Marie assume o cargo do falecido marido, tornando-se a primeira mulher a lecionar na universidade parisiense. Pouco tempo depois, já em 1907, Marie Curie, em companhia de outros cientistas, inicia o projeto de “cooperativa de ensino”. O projeto consistia no ensino de ciências para dos filhos de pesquisadores utilizando demonstrações experimentais para embasar as discussões e o aprendizado entre os alunos e os professores.
E é aqui que nasce o material apresentado pelo livro “Aulas de Marie Curie: Anotadas por Isabelle Chavannes em 1907” (EDUSP, 2018). A obra apresenta as anotações de Isabelle, então com 13 anos de idade e aluna da cooperativa de ensino, a respeito das aulas de Física ministradas pela cientista.
Nas 136 páginas da edição em língua portuguesa impressas em papel pólen bold 90g/m² misturam-se imagens de Marie Curie e de seus alunos, além dos manuscritos de Isabelle e das representações dos experimentos e dos resultados obtidos e discutidos durante as aulas. Mas além da diagramação muito bem-feita em todo o livro, chama a atenção o modelo de aula proposta por Marie Curie: uma pedagogia investigativa em que os conhecimentos dos alunos faziam parte das aulas e a curiosidade era incentivada a todo instante.
Cada um dos 10 capítulos apresenta uma aula temática diferente apresentada a partir de práticas experimentais realizadas com materiais simples e perguntas e explicações instigantes propostas para alunos entre sete e treze anos.
No capítulo 1, por exemplo, Marie Curie utiliza um balão de vidro e uma balança para demonstrar que o ar, mesmo que invisível, tem massa. Mas não apenas isso: Marie utiliza petróleo e água para mostrar a relação entre a densidade dos líquidos (lembre-se de que naquela época, era comum até o uso de elementos radioativos como parte de medicamentos para o tratamento da gripe!) e uma garrafa vazia imersa em água para mostrar que o ar ocupa o volume de uma garrafa vazia.
Em muitos momentos das aulas, Marie Curie apresenta questões e explicações contextualizadas no cotidiano dos alunos. No capítulo 3, a cientista e professora discute como o conceito de pressão atmosférica e de vasos comunicantes são aplicados para o abastecimento de água nas casas de Paris – Marie Curie chega a nomear os reservatórios que abastecem a cidade. Aliás, Curie também descreve elementos da história da ciência, ao apontar por exemplo, os hemisférios de Magdeburgo – um dos primeiros experimentos, no século XVI a demonstrar os efeitos da pressão atmosférica sobre objetos, cuja dinâmica se assemelha ao mecanismo de travamento das portas dos aviões que operam no século XXI.
A descrição matemática também é apresentada em muitos momentos. Contudo, a matemática é apresentada como ferramenta auxiliar e não como substitutiva dos conceitos de Física que invariavelmente temos no atual ensino de Física no Brasil (cujo modelo já era criticado desde a década de 1950). Nos capítulos cinco e seis, Marie discute a medida da densidade de objetos com e sem forma definida, respectivamente.
Matematicamente, a densidade de um objeto é obtida a partir da razão entre a sua massa e o volume ocupado. A cientista apresenta esta noção (p. 93-95) discutindo como objetos de mesma forma – neste caso, cubos de quatro centímetros de lado, podem ter massas diferentes entre si – e demonstra experimentalmente a noção de densidade utilizando água, mercúrio e óleo.
O “Aulas de Marie Curie” é um tesouro. Ao lê-lo, é fácil ser transportado para uma Paris do começo do século XX e imaginar todo o cenário de suas aulas e até o encantamento que cada demonstração e cada explicação nos traz. Mesmo aulas voltadas para crianças no início de sua jornada de aprendizado, as demonstrações e explicações apresentadas por Marie Curie certamente podem ser adaptadas e discutidas para alunos de qualquer idade. O que “As Aulas de Marie Curie” faz é permitir que alunos tenham o encantamento científico: aquela paixão pela curiosidade, de saber e entender o “como?” e o “por quê?” que são tão essenciais para a nossa existência.
O livro “Aulas de Marie Curie: Anotadas por Isabelle Chavannes” pode ser encontrado nas principais livrarias e pelo site da editora Edusp.
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