Há um gracejo difundido contra os físicos que afirma que nós falhamos em sua única missão: construir uma máquina do tempo. Embora tenha sido um físico a traçar bases muito sólidas a respeito de nossa atual compreensão da relatividade do tempo e, por consequência, abrir novas perspectivas sobre a viagem temporal, todos, físicos ou não, temos que lidar com o fato de a viagem no tempo não ser uma possibilidade ao alcance de todos [1].
Mas se não temos uma máquina que nos leve presencialmente para qualquer instante e lugar do universo — afinal, espaço e tempo formam um conjunto em um sistema de coordenadas (por isso, sempre aponto furos em roteiros cujos personagens marcam um encontro em um horário específico, mas não anunciam o local e vice-versa —, temos alternativas que tem o poder de recuperar nossas lembranças e quase nos transportar para o que vemos. Falo das fotografias. Sempre digo aos meus alunos que fotografias são nossas máquinas do tempo pessoais e não acho que isso tudo seja exagerado. Fotografias tem um poder simbólico imenso sobre nós, a ponto de espalharmos pela casa, no plano de fundo do telefone celular, de presentear alguém com uma imagem.
Fotografias são documentos históricos por si mesmas. Além de registrarem, em imagens, fatos e acontecimentos que impactaram a vida de muita gente, elas também registram o avanço tecnológico e o acesso em massa as tecnologias associadas a produção e disseminação de imagens. Com as fotografias, temos um registro de coisas que poderiam parecer inimagináveis, como a segregação racial nos Estados Unidos, o cidadão anônimo que deteve uma marcha de tanques de guerra durante um protesto na China, a imagem da Laika nos preparativos de seu voo histórico, entre tantas (ênfase no “tantas”) que poderiam ser listadas como as principais imagens da história.
Embora a fotografia tenha sido desenvolvida no fim do século XIX [2], época em que o termo “fotografia” fora cunhado pelo francês radicado no Brasil Hércules Florence [3], e se popularizado com relativa rapidez, imagens coloridas só foram obtidas a partir da década de 1930 — quase cinquenta anos depois da invenção da máquina fotográfica e dos filmes fotográficos — estes, desenvolvidos pela Kodak. Até o advento das fotografias coloridas, cujos filmes fotográficos conseguiam ter as cores primárias sensibilizadas na criação do negativo que, ao ser revelado, finalmente expunha a imagem, o que conseguíamos eram imagens em preto e branco, baseadas nas condições de luminosidade quando a câmera registrava a imagem.
Por isso, muitas imagens do começo do século XX, originalmente, estão disponíveis apenas em preto e branco. Mas graças ao trabalho artístico e ao avanço da tecnologia de edição de imagens, hoje podemos resgatar as cores, o contexto e em muitos casos, as histórias relacionadas com as fotografias. É a união entre tecnologia, arte e história.
Um dos maiores nomes da arte de colorir imagens é a brasileira Marina Amaral. Conheci sua obra ainda pelo Twitter, quando ela postava suas primeiras fotografias colorizadas. É impactante rever imagens que passaram por esse processo: a sensação de enxergar a história aumenta ainda mais. Detalhes que em preto e branco passariam desapercebidos são reveladas graças as novas cores que a imagem recebe.
Um dos trabalhos mais incríveis feitos por Marina é o “Faces of Auschwitz” (“Faces de Auschwitz”, em tradução literal). No projeto, Marina e outros coloristas, historiadores e acadêmicos colaboram para colorizar as imagens das vítimas do campo de concentração de Auschwitz, na Áustria, que foi um dos principais locais onde seres humanos foram cruelmente torturados e assassinados por nazistas durante a segunda guerra mundial. Com o projeto [4], muitas vítimas de Auschwitz conseguiram ter sua história resgatada e contada para que os horrores que passaram não voltem a ocorrer.
As imagens relacionadas a ciência e a tecnologia colorizadas por Marina Amaral são um caso à parte. Visualizar as cores do laboratório de Marie Curie ou os detalhes do gelo nas expedições polares é algo de encher os olhos.
Além de Marie Curie, a colorista brasileira deu cor a Albert Einstein e aos cientistas na Conferência de Solvay de 1927.
Outras imagens colorizadas por Marina recordam momentos e personagens históricos da ciência, como é o caso de Rosalind Franklin. Rosalind registou a primeira cristalografia em raios-X da molécula de DNA (o famoso “negativo 51 [5]“). Infelizmente, o trabalho de Rosalind Franklin nunca fora devidamente reconhecido e os créditos pela descoberta do DNA foram dados a James Watson, Francis Crick — estes, laureados com o Nobel pela descoberta:
Todo o rico trabalho de Marina Amaral pode ser conferido em seu site e em seu perfil no Substack — por onde, aliás, você pode apoiar financeiramente o trabalho da colorista brasileira.
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[1] Se você fosse um múon que se movimenta a quase 300 000 km/s, sentiria a sua vida mudar em um intervalo de tempo muito diferente do humano que o observa. Para você, a sua vida na atmosfera da Terra passaria em 300 m, enquanto para o cientista que te observa, você percorre uma distância de 15 km! Portanto, a sua velocidade interfere em sua percepção de passagem de tempo, dependendo do referencial escolhido. A Teoria da Relatividade não é incrível?
[2] https://www.wikiwand.com/pt/Fotografia
[3] Inventor, desenhista e polígrafo que fez importantes desenvolvimentos tecnológicos associados a fotografia anos antes da tecnologia ser apresentada na Europa: https://www.wikiwand.com/pt/H%C3%A9rcules_Florence
[4] Você pode conferir maiores detalhes sobre o projeto no site: https://facesofauschwitz.com.
[5] Leia mais sobre em: https://www.wikiwand.com/pt/Fotografia_51
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