Um dos álbuns musicais mais conhecidos da história foi lançado em março de 1973 e sua capa ainda hoje é reconhecida pela beleza e pela simplicidade. Gravado pelo insano e maravilhoso Pink Floyd, Dark Side of The Moon vendeu mais de cinquenta milhões de cópias; atualmente, duas músicas do Dark Side estão listadas no top-5 da banda no Spotify — entre elas, a épica canção “Time”.
Mas além de ser parte de um dos primeiros hoaxes [1] da história da internet (que jurava que a banda era uma das poucas no mundo a ter recebido o famigerado disco de urânio em celebração a venda de cópias de seus discos), Dark Side of The Moon tem uma das capas mais icônicas da história da música.

A capa remete a famosa descrição de Isaac Newton a respeito da composição da luz branca e do fenômeno da dispersão da luz (que ocorre quando a luz é dispersada, isto é, separada em suas diferentes frequências ao mudar de meio de propagação). Newton, em sua versão pessoal de “annus mirabilis” [2] — e em meio a uma epidemia, que em seu caso, era de peste bubônica —, trabalhou em diferentes estudos acerca da mecânica e óptica. Foi Newton quem contrapôs a ideia aristotélica de que as cores “pertenciam” e eram formadas nos objetos. O que ocorre, na verdade, é a reflexão da luz em diferentes frequências, que são absorvidas e interpretadas pelo nosso organismo. Newton deu um pontapé importantíssimo para a compreensão dos fenômenos ópticos e, por consequência, da compreensão a respeito de nossa fisiologia que vieram a seguir.
Mas o que significa essa ideia de frequências associadas as cores que enxergamos? Como isso tem a ver a luz e com os olhos?
Bem, vamos começar pensando na seguinte situação: você está caminhando em uma praça e percebe que dá cem passos a cada minuto. Depois, resolve iniciar uma leve corrida, aumentando para a cadência para cento e cinquenta passos por minuto. Agora, responda: em qual situação você teve mais passos a cada minuto? Certamente quando começou a correr; neste caso, você aumentou o número de vezes em que repetiu as passadas em um certo tempo.
Estendendo este raciocínio, chegamos à definição de frequência. A frequência nos dá uma medida da quantidade de repetições que um fenômeno tem em um intervalo de tempo. Podem ser passadas em uma corrida, a sua frequência na escola ou até o número de vezes em que uma onda repete o seu movimento. Tendo a medida de quantas vezes algo se repetiu em um intervalo de tempo, conseguimos determinar a sua frequência, que é medida em uma unidade de medida chamada hertz (simbolizada por Hz).
Estamos cercados de ondas em todos os momentos. Ondas sonoras e ondas eletromagnéticas ocupam nossos ouvidos e nossos olhos, permitindo que você ouça e veja o seu ambiente. No caso das ondas eletromagnéticas, nós podemos classificá-las quanto a sua frequência: cada tipo de onda possui uma frequência específica. É isso que nomeamos de espectro eletromagnético:

De todas as frequências que abrangem o espectro eletromagnético, o olho humano só é capaz de enxergar uma pequena parte — ondas com tamanho entre 400 e 700 nanometros, ou seja, entre 400 e 700 bilionésimos de metro. Essa faixa corresponde ao espectro visível e cada cor que enxergamos possui um comprimento de onda correspondente.
O interessante é que cerca pouco mais de cento e trinta anos depois da publicação do trabalho de Newton sobre a óptica, a compreensão sobre a luz chegou a uma conclusão interessantíssima: os elementos refletiam a luz, isto é, as frequências visíveis dentro do espectro eletromagnético, de forma diferente. Em 1802, o inglês William Wallaston observou um conjunto de linhas escuras regularmente espaçadas no espectro da luz solar. Anos mais tarde, o físico alemão Joseph von Fraunhofer, detectou ainda mais linhas espaçadas, atribuindo a elas letras (A, B, C, D, etc). Nasciam as “Fraunhofer”, que até hoje são utilizadas na área de espectroscopia, cuja criação se deveu ao trabalho de Fraunhofer e se desenvolveu nos trabalhos posteriores de seu conterrâneo Gustav Kirchhoff [3].


Kirchhoff realizava suas observações e experimentações com diversos gases junto a outro cientista alemão chamado Robert Bunsen (o mesmo que dá nome ao “bico de Bunsen”). Junto de Bunsen, Kirchhoff percebeu que as linhas espectrais das observações tinham um padrão específico, onde cada uma correspondia a um gás diferente. Ou seja, cada gás produzia um padrão diferente de linhas escuras. Com isso, foi possível associar os elementos que compõem os gases a sua assinatura espectral. Em comparação com a linha observada por Joseph von Fraunhofer, as linhas do espectro eram:
Assim, toda a composição química do Sol e de outras estrelas pode ser determinada. Os espectros de absorção — aqueles que representam a luz refletida pela camada externa dos objetos — são utilizados até hoje para determinarmos a composição de planetas, estrelas, cometas, asteroides, ainda que estejam a muitos e muitos quilômetros de distância.

E isso é formidável sob vários pontos de vista: primeiro, porque conseguimos saber o que existe em outros lugares do universo mesmo que nunca cheguemos até eles. Segundo, porque com isso, conseguimos saber que os elementos presentes na Terra são os mesmos em outros planetas e estrelas. E depois, esse avanço na compreensão da luz permitiu uma guinada importante na astronomia, que deixou de ser uma ciência preocupada apenas em medir distâncias e observar objetos celestes.

E graças a espectroscopia, descobriu-se que o cometa Halley tem uma pequena proporção de cianeto de potássio em sua composição. E isso provocou a busca por máscaras de proteção para a sua passagem em 1901, como você pode ler aqui.
Então, da próxima vez em que vir um arco-íris, saiba que ele tem muito mais a ver com o estudo do universo do que apenas ocupar uma região acima de nossas cabeças.
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[1] Um hoax (ou boato) tem uma diferença fundamental de uma fake news: o objetivo aqui é disseminar uma informação falsa ou incorreta, sem, contudo, desejar atingir negativamente a reputação de alguém.
[2] Annus Mirabilis, ou ano miraculoso, é uma expressão para representar um ano repleto de produções importantes realizadas por cientistas. Como exemplo, mais conhecido, Albert Einstein fez de 1905 o seu ano miraculoso, quando publicou seus trabalhos revolucionários sobre a relatividade restrita e movimento browniano. É por causa disso que em 19/05 comemoramos o dia do físico (aceito bombons).
[3] Kirchhoff também é conhecido por suas leis ou regras aplicadas aos estudos de circuitos elétricos.
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Para saber mais:
- Dispersão e refração da luz: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=dispersao-e-refracao-da-luz
- Espectroscopia: http://astro.if.ufrgs.br/rad/espec/espec.htm
- FIGUEIRAS, C.A.L. A espectroscopia e a química: da descoberta de novos elementos ao limiar da teoria quântica. Química na nova escola, n.3, 1996. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc03/historia.pdf .
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
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