CCULT LIVROS #12 – Isaac Newton e Sua Maçã

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Você já deve ter ouvido falar a respeito de “O Mundo de Beakman ” e de toda a sua fama a respeito da qualidade de seu conteúdo e do entretenimento que ele conseguia entregar. De fato, Beakman inspirou uma geração a se interessar e a manter a sua curiosidade sobre tudo o que nos cerca. A interação de Paul Zaloom (ator que interpretava Beakman) com Mark Ritts (com o inesquecível Lester) e as assistentes Rosie, Liza e Phoebe [1] geravam diálogos interessantíssimos em muitos aspectos e traziam o gancho perfeito para que Beakman apresentasse seus experimentos e explicasse muito sobre o universo ao nosso redor.

Certo, mas este não é um texto sobre Beakman, nem sobre os pinguins que abriam o programa como expectadores do Polo Sul (outro traço do humor genial do programa). Este é um texto sobre um livro que remete ao que O Mundo de Beakman fazia muito bem: prender a atenção ao mesmo tempo em que consegue fazer rir, admirar e compreender conceitos científicos e a prática científica. “Isaac Newton e Sua maçã” (Companhia das Letras, 2001, 192 páginas) é um acerto primoroso, especialmente se levarmos em conta que é um livro pensado para o público jovem e que apresenta, vejam só, elementos de cálculo diferencial e de óptica geométrica explicados de uma forma tão lúdica que chega a parecer que cálculo é uma disciplina muito mais simples do que parece (e, de fato, o cálculo diferencial e integral não é simples, convenhamos).

A história de Isaac Newton chama a atenção, sobretudo quando as pessoas começam a conhecê-lo pela famosa anedota da maçã que fez o cientista “descobrir” (com muitas aspas) a força gravitacional. A existência da maçã de Newton sempre ronda o imaginário popular, mas só há poucos anos a história sobre a epifania de Newton foi (possivelmente) desvendada ao se analisar os escritos originais do cientista.

Mas Newton foi mais do que alguém acertado por uma maçã na cabeça enquanto repousava em um pomar. O seu trabalho foi fundamental para áreas como: astronomia, óptica, mecânica, matemática, ondas e fluidos, não apenas por alguns pioneirismos, mas pela capacidade de explicação teórica e aprofundamento matemático de suas ideias. Isso permitia, por exemplo, prever a ocorrência de fenômenos naturais, além de abrir a oportunidade para outros cientistas verificarem por si mesmos o que Newton propunha ao fazer ciência. Em termos de ciência propriamente dita, Newton elevou o nível da prática científica e dos métodos de ciência propostos anteriormente por Galileu. Este é um fruto menos óbvio do que Newton conseguiu desenvolver enquanto cientista, mas não menos importante do que o seu trabalho – embora “Isaac Newton e Sua Maçã” não toque profundamente no tema. O que, claro, não invalida de modo algum a obra produzida pelo cientista inglês.

Reprodução: Companhia das Letras

Até porque “Isaac Newton e Sua Maçã” (texto de Kjartan Poskitt e ilustrações de Philip Reeve) tem valor por tudo o que consegue oferecer: uma leitura absolutamente fluida de suas 195 páginas — o autor tem o cuidado de indicar quais são as partes “mais técnicas”, que podem ser suprimidas sem grandes perdas para o entendimento do texto —, com humor e ilustrações muito adequadas ao texto e ao contexto das passagens biográficas apresentadas ao longo da obra. Um dos exemplos está na apresentação dos fundamentos do cálculo diferencial, de modo simples, partindo da noção de inclinação da reta até a medida da taxa de variação, levando em conta que é um texto voltado para leitores a partir dos 9 anos! Se você está começando a sua jornada pelo cálculo diferencial, sugiro muito ler o trecho em que Poskitt e Reeve discutem o tema, no nono capítulo do livro.

A apresentação da rivalidade entre Robert Hooke e Newton é um dos grandes exemplos de como os autores conseguiram unir o texto e as ilustrações para apresentar os principais pontos do contexto envolvido no contexto da disputa entre os dois cientistas, apontando acertos teóricos de cada um e as causas da rivalidade (e tomando partido a favor de Newton em muitos pontos). Ou quando o texto faz a contextualização histórica entre a queda livre de Galileu e a força gravitacional proposta por Newton: o trecho que discute a queda livre enquanto movimento acelerado é primoroso, embora não traga um final feliz para o animal citado no texto.

Ainda que não seja uma biografia repleta de notas de rodapé ou que cite fontes de suas afirmações (o que faz sentido ao pensar que o livro tem um objetivo de ludicidade para a história da ciência), “Isaac Newton e Sua Maçã” não apresentam Newton como um herói, uma divindade. O livro aborda, com humor, é verdade, o temperamento difícil e os problemas de relacionamento pessoal que o cientista inglês possuía com seus colegas. Esse é outro ponto positivo que mostra que ainda que um gênio fundamental para o conhecimento científico moderno, Newton foi um ser humano com todos os ônus e bônus que a espécie consegue arranjar para si mesma.

Reprodução

Ler “Isaac Newton e Sua Maçã” foi como assistir ao Mundo de Beakman. Divertido, informativo, simplificando coisas que são complicadas, mas sem lhes retirar a beleza e a correção do que é apresentado. Apesar de ser um livro lançado no Brasil há mais de vinte anos, é uma obra atemporal, como é o trabalho de Newton, que caminha conosco desde o século XVI ajudando a explicar a dinâmica do universo e a beleza das cores que enxergamos.

Isaac Newton e Sua Maçã foi publicado pela Companhia das Letras com tradução de Eduardo Brandão e revisão técnica de Iole de Freitas Druck e está disponível apenas em versão impressa no site da editora ou nos principais marketplaces do Brasil.

[1] O nome das personagens que interpretavam a assistente de Beakman mudaram a medida em que suas intérpretes apareciam na série: Rosie (Alana Ubach ), Liza (Eliza Schneider ) e Phoebe (Senta Moses ).

Imagem de destaque: montagem a partir de Companhia das Letras/Kjartan Poskitt/Philip Reeve

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