Além de decorar centenas de milhares de salas e de laboratórios de ciências em todo o mundo, uma tabela periódica é a representação do esforço de muitos e muitos cientistas ao longo da história humana. Estabelecer um novo elemento, suas propriedades e depois organizar tudo isso não foi das tarefas mais fáceis, como qualquer um deveria supor.
Coube ao químico russo Dimitri Mendeleiev (1834-1907) a primeira versão da tabela periódica de elementos, publicada pela primeira vez em 1869. Esta versão, inclusive, surgiu de forma curiosa: o químico russo escrevia um livro introdutório de química para estudantes e teve a ideia de encontrar uma disposição em que os elementos fossem facilmente localizados por eles. Utilizando cartas para cada um dos sessenta e três elementos conhecidos até então, Mendeleiev tentou organizá-las sobre uma mesa a partir de algum padrão — da mesma forma que organizamos as cartas de um baralho ao jogarmos paciência.
Todas as tentativas se mostraram frustradas: não parecia ser possível encontrar um padrão que fosse coerente e pudesse organizar todas as cartas de forma sistemática. Mendeleiev dormiu. E dormindo, sonhou com a organização que finalmente daria origem a tabela periódica que conhecemos hoje.
A partir de um sonho — literalmente! — acabou conseguindo organizá-las em ordem crescente de número atômico (o número de prótons no núcleo de um átomo). A organização proposta por Mendeleiev, além de conseguir ser mais eficiente sob o ponto de vista da organização dos elementos, tinha um trunfo incrível: previa as características físicas e químicas de elementos que ainda não haviam sido descobertos!
Mais detalhes sobre Mendeleiev estão no vídeo abaixo e nas referências ao final deste texto.
Tá, e onde o haicai entra nisso? Calma, eu posso explicar. Como você sabe, haicai (ou o haikai ou haiku) é um gênero de poesia muito utilizado na literatura oriental, especialmente na literatura japonesa. É composto por três versos: o primeiro e o terceiro são compostos por cinco sílabas cada e o segundo, por sete, embora o haicai contemporâneo nem sempre tenha essa restrição de uso 5-7-5 sílabas (embora procure respeitar as 17 sílabas totais do haicai clássico).
Haicais podem ser escritos sobre temas pré-definidos. A natureza, o amor, situações do cotidiano. E elementos químicos. Sim, elementos químicos. A poetisa e escritora britânica de ficção científica Mary Soon Lee escreveu um haicai para cada um dos atuais 119 elementos da tabela periódica contemporânea. Como o do titânio (símbolo: Ti):
robusto aeroespacial,
a estratosfera é o suficiente?
ou apenas as estrelas?
Ninguém me perguntou, mas considero o titânio um dos elementos mais fantásticos da tabela periódica. Por isso escolhi o haicai sobre ele para ilustrar este post.
O haicai periódico já ganhou vida própria no Twitter. Vale a pena seguir a hashtag #ChemHaiku para ler outros haicais sobre ciência.
Os haicais periódicos de Mary Soon Lee estão disponíveis numa página interativa da Science (clique aqui ou na imagem abaixo). E funciona direitinho com o Google Tradutor.

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Referências e para saber mais:
- ALDERSEY-WILLIAMS, H. Histórias Periódicas: a curiosa vida dos elementos. São Paulo: Editora Record, 2013.
- Elemental haiku [em inglês]: https://vis.sciencemag.org/chemhaiku/
- Haicai: https://www.wikiwand.com/pt/Haiku
- Mary Soon Lee [1]: https://marysoonlee.com
- Mary Soon Lee [2]: Wikipédia
- Mendeleiev e a tabela periódica: https://www.uc.pt/fluc/depllc/CER/cerdatas/180mendeleev
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.