Enquanto a extinta URSS e os Estados Unidos disputavam palmo a palmo a corrida espacial, um país africano ousou sonhar em projetar uma nave espacial capaz de levar seres humanos e animais até a Lua e, posteriormente, até Marte. Coube a Zâmbia, na década de 1960, ser palco dessa história incrível de sonhos impossíveis.
A história a seguir parece algo inimaginável. Ou obra de alguém dotado de desmedida loucura. Ou de alguém dotado de gigantesca capacidade de sonhar. Talvez alguém tenha que ter loucura e sonho em proporcional mistura para pensar em desenvolver um programa espacial logo após a independência de um dos países mais pobres do mundo.
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O projeto espacial era sério, apesar de ser não oficial. O responsável direto por ele foi o Edward Makuka Nkoloso, um ex militar combatente na Segunda Guerra Mundial que mais tarde se tornara professor de ciências no ensino básico da Zâmbia. Nkoloso anunciou ao mundo a criação da ZNASSRP — Zambia National Academy of Science, Space Research and Philosophy durante as festividades de independência da Zâmbia, em 1964. Sua agência (da qual era o autoproclamado diretor geral) tinha um objetivo muito claro: desenvolver tecnologia própria para enviar treze astronautas e dois gatos até Marte.


Edward Nkoloso providenciou a construção de um centro de treinamento para os futuros astronautas a 11 quilômetros de Lusaka, a capital do país. Enquanto promovia o duro treinamento dos futuros astronautas zambianos – que eram lançados ribanceira a abaixo dentro de toneis usados para transportar óleo para “simular a reentrada e os aspectos da ausência de gravidade” — o então diretor da academia zambiana de ciências pediu financiamento oficial do governo para o seu projeto, o que lhe fora negado prontamente. Nkoloso não desistiu e pediu, tempos depois, financiamento de aproximadamente sete milhões de libras zambianas à UNESCO. Sua carta de solicitação de financiamento foi publicada no jornal de maior circulação no país, o que ajudou a despertar uma pequena atenção do mundo ao programa espacial de Nkoloso.
Aliás, os astronautas selecionados por ele para o treinamento era um caso a parte: em sua maioria jovens entre 16 e 23 anos (entre elas uma mulher, Matha Mwambwa, então com 17 anos), além de treinarem suas habilidades físicas e mentais em exercícios de reentrada nos toneis, tinham a árdua missão de treinarem artesanato e construção de naves e de sistemas de propulsão baseados em catapultas. Isso mesmo: Nkoloso acreditava que poderia mandar astronautas até Marte em sistemas de propulsão que não utilizavam combustíveis e sim, algo muito parecido com as velhas catapultas medievais. E todos eles acreditavam que isso poderia dar certo.

Ao observar Marte a partir de seu telescópio, Nkoloso acreditou que o “planeta vermelho” estava povoado por seres dotados de inteligência. Então não teve dúvidas: botou dois missionários entre os seus astronautas que tinham as ordens de não forçar qualquer conversão para o cristianismo dos nativos marcianos.
E o treinamento continuava. Os astronautas se dedicavam muito em seus treinamentos, embora já começassem a surgir focos de desconfiança no sucesso do projeto. Mas algo além disso preocupava Nkoloso: ele desconfiava que supostos espiões americanos e russos estavam de olho em suas técnicas de treinamento e, principalmente, nos gatos que seriam enviados ao Espaço junto com os astronautas. Novamente entrou em contato com o governo zambiano, mas desta vez, pediu proteção e a expulsão dos supostos espiões. Mais uma vez, a resposta foi negativa.
A ZNASSRP havia consumido quase um ano inteiro de treinamentos e de correspondências entre seu diretor a autoridades da Zâmbia e da ONU, sem obter nenhum sucesso. Se a empreitada inicialmente parecia nascida fadada ao fracasso, sobretudo pela ausência de recursos e de tecnologias apropriadas, ela ficou finalmente chegou ao seu fim quando a astronauta Matha Mwambwa engravidou e foi resgatada do centro de treinamento pelos seus pais. Pouco tempo depois, os outros astronautas deixaram o programa da espacial da ZNASSRP. E finalmente, ao fim de 1964, o projeto de Nkoloso teve seu melancólico fim, sem sequer desenvolver uma só tecnologia espacial.
A história do programa espacial zambiano foi trazida a tona novamente em 2003, graças ao trabalho da fotografa espanhola Cristina de Middel que criou a série fotográfica “The Afronauts”, pode ser conferida neste link .
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Após o fracasso de seu programa espacial, Edward Makuka Nkoloso tentou ser prefeito de Lusaka. Entretanto, não conseguiu ser eleito. Aposentou-se da vida pública em 1972. Formou-se em direito Universidade da Zâmbia em 1983. Nkoloso morreu em 1989 e foi sepultado com honras de chefe de estado.
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
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