Se você acompanha meus textos publicados aqui no ccult.org e em outros lugares deste vasto mundo chamado internet, já deve ter percebido que os verbetes/páginas/artigos da Wikipédia estão sempre presentes no complemento de informações e nas referências dos textos. O que não é sem razão: a Wikipédia é uma incrível iniciativa de disseminação do conhecimento científico, acessível e colaborativa.
Mas muita gente ainda torce o nariz para a enciclopédia livre. Alguns argumentam que iniciativas como a Wikipédia são perfeitas para a propagação de informações incorretas e que, pela proporção que ela tem na internet mundial, seria humanamente impossível aos editores verificar as atualizações dos textos, coibindo práticas como matar gente famosa, acrescentar fatos que (ainda) não ocorreram ou manipular textos para favorecer determinada figura pública. Ou seja, publicações colaborativas como a Wikipédia mais atrapalham do que ajudam na disseminação do conhecimento científico.
Outras pessoas, argumentam — e aqui, com alguma razão — que muitos verbetes da Wikipédia em língua portuguesa são superficiais, sem discussões mais profundas sobre o tema e, ainda por cima, sem a presença de fontes que referendem as afirmações e o apelo as “curiosidades” — que, em muitos casos, surgem de boatos ou de falácias ou de deturpações de dados. Claro que esses argumentos não levam em conta que a Wikipédia é uma plataforma aberta cujo conteúdo é criado de forma voluntária. Então, é preciso que uma ou mais pessoas tenham interesse em criar, editar e corrigir textos de áreas de seu interesse e formação. E não é a coisa mais fácil do mundo ter tempo, disposição e atitude para fazer isso.
Tampouco os argumentos de que os verbetes da Wikipédia são ruins levam em conta que é preciso um mínimo de conhecimento sobre o funcionamento da ciência para que eles possam ser… cientificamente precisos. Explico: em ciência, argumentos precisam ser embasados em lógica, cujas fontes possam ser conhecidas, acessadas, verificadas e discutidas por outros cientistas — ou pelo menos, suas ideias mais centrais. Um verbete da Wikipédia, em teoria, deveria seguir a mesma lógica: apresentar suas fontes, discutir as informações e fatos, associando-os com o conhecimento aceito como consenso dentro da ciência, etc. Contudo, se esses detalhes do trabalho científico escapam da maioria das pessoas, como conseguiremos ter artigos na Wikipédia tão precisos e com referências de qualidade quanto possível?
E por mais que as diretrizes de elaboração de artigos sejam cada vez mais claras quanto a necessidade de um texto com as características de um trabalho científico, é difícil que elas sejam seguidas se as pessoas, em geral, não saibam do que isso se trata. Numa era de afogamentos em informações, treinar a capacidade de checar informações é crucial não apenas para elevar os níveis dos artigos da Wikipédia, mas também para dar condições para que as pessoas lidem de forma mais consciente com as informações retiradas da internet.
Estudantes realizam pesquisas o tempo todo sobre os mais diversos assuntos. A pesquisa escolar ainda é uma atividade recorrente nas escolas brasileiras, em que um determinado assunto é disponibilizado aos alunos e eles devem recolher informações sobre o que lhes foi pedido. Novamente, a Wikipédia torna-se o local ideal: reúne, a priori, características esperadas de um trabalho científico, em geral aparece nos primeiros lugares dos resultados de pesquisa, tem um texto em terceira pessoa. Infelizmente, a primeira oportunidade de se aprimorar o conhecimento sobre a ciência morre aqui: o conhecimento científico nasce de uma pergunta. Por que insistimos em cópias ao invés de recorrer ou de incentivar os alunos a buscarem a resposta de uma pergunta — que não precisa, necessariamente, ser uma questão cuja resposta seja óbvia ou de fácil resolução. Afinal, a produção do conhecimento científico é realizada a partir da busca das respostas que motivam o cientista. “Todo conhecimento científico nasce de uma pergunta”, como já dizia Bachelard.
É nesse sentido que a Wikipédia ganha um papel além de possível fonte de conhecimento: ela pode ser fonte para que estudantes vivenciem algumas etapas da produção do conhecimento científico. Seja elaborando um verbete para a Wikipédia, seja corrigindo algum artigo já publicado, ter contato com a Wikipédia deveria ser um estímulo, não uma censura. Afinal, em quantos locais há a oportunidade de se discutir informações, compará-las com suas fontes e confirmá-las, atualizá-las ou corrigi-las ao mesmo tempo em que se propicia a disseminação do conhecimento científico?
Como Marie Curie nos ensinou: “nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Agora é hora de compreender mais para temer menos”. É conhecendo sobre a ciência que aprenderemos a respeitá-la. A Wikipédia tem muito a nos ensinar sobre isso.
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F. C. Gonçalves é mestre em ciências pela Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP) desde 2019, além de licenciado em Física pela Universidade de Taubaté (Unitau) desde 2010, mesmo ano em que passou a atuar no ensino de Física nos níveis fundamental e médio. Como não sabe desenhar nem tocar nenhum instrumento musical, tampouco possui habilidades para construir qualquer tipo de artesanato, restou-lhe a escrita: “quando não sei o que dizer, escrevo”, diz. Desde criança é entusiasta do conhecimento científico. Da sede de querer conhecer mais sobre o mundo veio a paixão pela Astronomia. E quando menos percebeu, estava escrevendo e falando sobre o conhecimento científico para quem quisesse ler ou ouvir.
Professor. Fica aqui uma ideia que tenho pensado faz um tempo.
Que tal se, ao invés de desenvolver em sala de aula trabalhos onde os alunos consultam fontes para fazer um texto os apresentação em slides.
Que tal propor uma mecânica de trabalho onde os alunos consultam as fontes e apresentam propostas para melhorar os artigos da Wikipédia? Seja adicionando novas informações ou complementando as referências dos artigos do site.